Processo de Feedback

Escrito por David de la Iglesia
L3, Espanha

Escrito por David de la Iglesia
L3, Espanha

Neste artigo vou descrever os passos básicos do processo de feedback *: Observação, Valorização, Discussão e Transcrição.

Vou também descrever a melhor forma de reunir e dar feedback, bem como fornecer exemplos reais que tenho testemunhado ao longo dos anos para que possas entender melhor este processo. Estes passos básicos de feedback são baseados no seminário de Jurgen Baert no GP Brighton 2009. Graças a me dedicar a este processo de uma forma estruturada, tenho sido capaz de fornecer com sucesso muitas informações úteis para muitos juízes; espero que este artigo te possa ajudar também!

* NOTA

“Não encontrando uma palavra em português que qualifique exactamente o sentido de feedback, é deixada aqui uma definição traduzida da original em inglês; Uma crítica ou conselho, sobre o quão bem sucedida ou útil foi uma determinada acção.”

Observação

A Observação é, por definição, subjectiva. É sobre a visualização das acções do sujeito durante um certo período de tempo, bem como das reacções que advêm dessas mesmas acções ou quaisquer outros eventos. A Observação pode resultar de acções activas ou passivas. As duas podem ser abordadas de forma diferente, mas geralmente, independentemente de seres um observador activo ou passivo, o objectivo é criares a tua própria percepção do desempenho de outra pessoa.

A situação mais comum para observar alguém é durante um evento. Uma interacção continuada com alguém leva a um feedback mais aprofundado, já que assim tens normalmente hipótese de observar a outra pessoa em outras e diferentes circunstâncias.

Exemplo: Num Grand Prix, tu podes ser ” emparelhado ” com outro juiz. Ambos tentam estar unidos e compartilhar o máximo de tempo possível a desempenhar as tarefas e responsabilidades atribuídas a cada um. Aqui, ambos terão muitas oportunidades de fazer “sombra” ao outro, prestar atenção a ele ou ela e reunir muita informação. O mais importante é não perder o foco sobre o seu parceiro e partilhar o dia com ele ou ela. O que dizer quando alguém está no comando de uma tarefa ou de um grupo de pessoas? Podes claro, dar um feedback motivador e é realmente algo que eu recomendo vivamente.

Exemplo: És um juiz de salão num PTQ e o Juiz Principal faz um anúncio extremamente longo durante a Reunião de Jogadores. O Juiz Principal estende-se por muito tempo sobre as últimas mudanças nas políticas, tanto que os jogadores começam a conversar. No salão, tens de repetidamente pedir aos jogadores para sossegarem e ouvirem o Juiz Principal. Acabaste de encontrar algo em que o Juiz Principal do teu PTQ pode melhorar. Eu já fui esse Juiz Principal e felizmente alguém estava lá para me chamar à atenção sobre isso.

Existe um equívoco comum sobre “Eu não passei tempo suficiente com o juiz.” Isto leva os juízes a pensar que não possuem material suficiente para dar feedback. Na minha experiência, o feedback pode ser baseado numa grande variedade de diferentes interacções e na minha opinião, não importa o quão breve a interacção possa ter sido, pode sempre haver algum conselho que possas dar.

Exemplo: Tu estás na equipa de Verificação de Baralhos e enquanto estas a fazer uma verificação a meio da ronda, reparas que as folhas de entrada de resultados estão a sair mal cortadas. Tu encontraste ai uma área de potencial melhoria para alguém da equipa do Papel.

Em qualquer destas situações, é recomendável tirar notas. Verás com frequência no salão, os juízes a andar com blocos de notas e isto é algo que recomendo a toda a gente que faça. Esta prática comum é muito importante mais tarde no processo de feedback com exemplos para fundamentar o nosso feedback. É facilmente metade do trabalho de dar feedback. Lembra-te: o feedback não serve apenas para apontar possíveis problemas, ele também pode louvar um trabalho bem feito. Pode ser um pouco mais fácil para nós para obter uma imagem geral do que queremos transmitir como feedback, mas o sujeito vai ter uma compreensão muito mais fácil, bem como uma melhor aceitação do feedback se podermos basear a nossa observação em exemplos bem definidos e documentados. Tomar notas sobre como as coisas aconteceram irá fornecer-lhe exemplos mais precisos para que não tenhas de confiar muito na tua memória.

Kim Warren a tirar notas no GP Paris ’14
Kim Warren a tirar notas no GP Paris ’14

A Observação pode também acontecer fora dos eventos. Podes interactuar com outros juízes de uma forma mais continuada enquanto contribuis para um projecto de juízes, por exemplo. Ou talvez estejas a presenciar algo a acontecer de que não faças directamente parte.

Exemplo: Podes dar feedback a um colega juiz sobre a percepção que está a ter a comunidade das suas acções online.

Exemplo: Podes dar-me feedback sobre este mesmo artigo!

Nestas situações, é possível observar remotamente as acções de outros juízes e encontrar áreas onde podemos ajudar os outros a melhorar.

Valorização

A valorização é, na minha opinião, a parte chave do feedback. É aqui que vais transformar o que observaste em ideias a transmitir mais tarde ao juiz sobre o qual tiveste a recolher feedback durante o passo de Discussão. O passo de Valorização tem três diferentes partes bastante distintas: Identificação, Análise e Ajuda.

Identificação

Isto é sobre perceber se uma Observação é uma virtude ou uma área a melhorar. Nesta etapa, podes definir em que área de avaliação (liderança, atitude, trabalho de equipa, conhecimento de regras, etc.) deves categorizar uma determinada Observação.

Exemplo: Num GP, um jogador pergunta a um juiz onde é a casa de banho. O juiz responde “Não” e vai embora. Isto é um mau atendimento ao cliente e é uma área a melhorar.

Exemplo: Num PTQ, um jogador pergunta ao mesmo juiz “Posso nomear Pântano com a minha Agulha Medular”. O juiz responde “Sim” e vai embora. O juiz fez o correcto ao não dar informações adicionais ao jogador. No entanto, teria sido uma boa ideia que o juiz tivesse ficado por lá, vigilante durante mais tempo, para ter a certeza de que não haveria mais problemas. O primeiro é uma virtude; a seguinte é uma área a melhorar.

Antes do passo de Análise, enquanto estiveres a rever as tuas notas, podes tentar estabelecer conexões entre as interacções separadas.

Análise

A diferença entre um bom feedback e um feedback realmente bom está na análise. Na maior parte do tempo o que importa não está à superfície: o que importa não é “o que” aconteceu, mas sim “porque” isso aconteceu. Aqui pegamos nas forças e fraquezas e tentamos perceber a razão de tal comportamento naquele momento. Estamos à procura das causas subjacentes e determinar se o comportamento observado é algo sobre o qual o juiz possa actuar em consequência.

Exemplo: Num PTQ, tu és um Líder de Equipa e dás feedback a um juiz na tua equipa sobre a sua ética de trabalho porque ele passou a última ronda inteira sentado a conversar ao lado do scorekeeper. Quando lhe perguntas pela razão deste comportamento, esse juiz diz-te que os pés doíam-lhe tanto que ele não conseguia sequer estar de pé. Se lhe deres feedback sobre a sua ética de trabalho, ele pode muito bem não aceitá-lo, visto que ele vê o facto de ter estado sentado durante uma hora como uma necessidade que ele teve de satisfazer. Aqui podes dar um feedback bem sucedido ao mencionar a falta de comunicação que teve da sua necessidade.

Este último exemplo foi bastante evidente, mas tem em mente que identificar correctamente o “porquê” numa determinada situação torna-se mais relevante em questões mais importantes. Algo também importante a considerar é que para alguém verdadeiramente aceitar o feedback, eles têm de concordar com ele.

Sem analisar o porquê de algo ter acontecido, não podemos avaliar correctamente a situação. Para se chegar a um feedback razoável, adequado e relevante, esta Análise é a parte chave de todo o processo. É o que nos vai dar os pedaços de informação cruciais para chegar à melhor Valorização possível.

Exemplo: Num exemplo anterior onde o juiz apenas respondeu não a uma pergunta sobre as casas de banho, ele está a comunicar de uma forma seca… Ele pode apenas ter problemas em comunicar com estranhos ou não estar confortável a desempenhar um papel de autoridade. Isto pode ser um problema de confiança ou maturidade ou talvez o juiz possa não estar a par da importância do atendimento ao cliente quando estamos a arbitrar.

Exemplo: Um juiz tem um braço engessado devido a um acidente de bicicleta e não está a conseguir realizar as verificações dos baralhos de uma forma célere. Nesta situação, não há muito feedback que possas fornecer, apenas acomoda este juiz da melhor forma possível e ajuda-o a tirar o melhor partido do evento. Dar-lhe feedback no sentido de “Fizeste verificações de baralho de forma muito mais lenta que os outros” é bastante óbvio e longe de vir a ser muito útil; não é algo em que ele possa vir a actuar como consequência.

Ajuda

Se uma coisa terá de ficar deste artigo, que essa coisa seja esta: O feedback deve incluir conselhos sobre como melhorar.

Indicar áreas a melhorar não é suficiente só por si, devemos incluir a Análise da nossa Observação e dar conselhos exequíveis para que seja uma Ajuda efectiva ao melhoramento de outros. Quanto mais específico for o conselho, tanto melhor.

Uma maneira muito comum de dar conselhos é partilhar recursos com o sujeito a quem o feedback se dirige. A Judge Wiki, os Judge Blogs ou talvez um artigo particularmente relevante são alguns dos muitos recursos disponíveis aos juízes para que possam melhorar as suas capacidades. Conheces alguém que queira melhorar em como dar feedback e na habilidade de escrita de avaliações? Faz-lhe chegar este artigo!

Exemplo: Dar feedback que diga “A tua reunião de Liderança de Equipa não foi boa” está só a indicar um problema durante a tua Observação. Ao adicionares a esta frase “Deixa-me ligar-te a este artigo que me ajudou a antecipar melhor as situações e inclui truques e dicas sobre Liderança de Equipas” é um conselho em concreto, sobre o qual é possível actuar e é uma melhor maneira de dar feedback.

Exemplo: Qualquer feedback que diga “estiveste mal-humorado durante o PTQ” é apenas uma declaração da tua Observação. Neste feedback falta Análise (por esteve este juiz mal-humorado) e Ajuda (porque é que é mau parecer mal-humorado e como evitar deixar isso transparecer).

É importante compreender porque estás a sugerir determinadas áreas para melhoramento. No exemplo acima, é importante explicar ao teu colega mal-humorado que faz parte do nosso trabalho proporcionar uma boa experiência de jogo aos jogadores e deixar transparecer mau humor diminui esta experiência. Usar a tua própria experiência para ajudar o outro juiz a ter uma melhor imagem daquilo que queres transmitir com o teu feedback é normalmente uma boa ideia. Partilha exemplos do passado em que tiveste de lidar com situações semelhantes e usa o teu próprio processo de aprendizagem como forma de ilustração de outras maneiras de melhoramento.

Discussão

Ter uma discussão directa com o sujeito é fundamental para que a mensagem do feedback possa passar efectivamente. É verdade que às vezes não é possível estar cara a cara após um evento e nestas circunstâncias recomendo veemente que lhe seja enviado por email o feedback após a Transcrição e antes de ser submetido no Centro de Juízes. A premissa básica do feedback é que o nosso objectivo como observador é ajudar a melhorar o sujeito que estamos a observar. Ao comunicar e efectivamente discutir o feedback ajuda a passar a ideia que quando estamos a dar feedback o fazemos porque nos preocupamos com eles.

Exemplo: Observas outro juiz num GP que não está concentrado nas tarefas da equipa, mal-humorado e com um ar infeliz. Tu escreves-lhe uma avaliação, dás conselhos, mas… após submeteres a avaliação, este juiz contacta-te e explica que o seu comportamento se deveu a um grave problema de saúde na família. Aqui tu saltaste um passo na tua Análise, que era descobrir a causa subjacente da tua Observação. O feedback pode muito bem ter sido correcto, preciso e ter incluído uma boa Ajuda, mas uma Discussão directa com o sujeito ter-te-ia dado uma melhor compreensão, que te levaria a uma melhor Identificação, para que pudesse ter chegado a uma Análise correcta da situação.

Como podes ver, a Discussão pode fazer alterar os resultados da tua Valorização inicial. Isto significa que o processo descrito neste artigo não é tão linear como poderia parecer à primeira vista. Podes ir para trás e para a frente entre os diferentes passos como achares melhor, o importante é que chegues a conclusões bem fundamentadas. Quero aqui chamar à atenção o quão importante é que cada um de nós descubra as nuances que funcionam para nós. Não tenhas medo de experimentar, fica receptivo/a às respostas ao teu feedback e não te esqueças de tirar notas durante a Discussão, para que as possas incorporar mais tarde na Transcrição.

DLI & Riccardo Tessitori trocando feedback no GP Verona ’13
DLI & Riccardo Tessitori trocando feedback no GP Verona ’13

Em qualquer caso, nada é melhor que uma conversa cara a cara, onde podes passar a tua mensagem de forma efectiva. Como vamos ver a seguir na Transcrição, passar o feedback para escrito (e submetê-lo no Centro de Juízes) é importante por várias razões, mas atrevo-me a dizer que a maneira mais eficiente e útil de dar feedback é cara a cara.

Transcrição

A transcrição do feedback serve diferentes propósitos. Os dois principais passam por fornecer ao sujeito uma lembrança escrita do feedback, para que possam ter como referência no futuro; também para partilhar o feedback com os juízes Seniores (L4+s e Coordenadores Regionais). É importante compreender a razão pela qual os juízes Seniores têm acesso a estas avaliações. A razão por trás desta prática é que os juízes de nível mais elevado lêem estas avaliações ocasionalmente para estar a par das necessidades e objectivos das suas regiões, bem como para se certificarem que os indivíduos cumprem os requisitos adequados para fazerem parte da equipa de juízes num evento.

Este passo deve ser dado no Centro de Juízes, no separador Avaliações. Podes encontrar na Judge Wiki uma descrição detalhada sobre como introduzir e submeter uma avaliação.

Submeter avaliações o quão brevemente quanto possível é tremendamente importante. Sou culpado de ter procrastinado muito para lá do razoável. Como princípio, sugiro que as avaliações devem ser introduzidas até um mês após a Observação, preferencialmente antes disso.

A Vida Real™ muitas vezes vai se intrometer com o que é divertido e simplesmente às vezes não é possível submeter as avaliações tão oportunamente quanto o desejado. Não deixes que o princípio anterior te iniba de submeter uma avaliação… só não a submetas dois anos após o evento. (para dar um exemplo extremo sobre o que não se deve fazer).

Ser completo

Inclui tantos exemplos quantos forem necessários para ilustrar a tua Observação e explica o raciocínio que te levou a ter aquela Valorização. Dá detalhes sobre como chegaste às conclusões daquela Análise e claro não te esqueças de incluir uma Ajuda sobre como melhorar.

Ser claro

Feedback ProcessA formatação conta. Ninguém gosta de ler uma parede de texto. Tristemente, o Centro de Juízes não tem muitas opções para a formatação de texto, mas podes dar o teu melhor para criar a tua própria formatação, com símbolos e quebras para parágrafos.

Embora o que esteja pré-definido é dividir a avaliação em Pontos Fortes, Áreas a melhorar e Comentários, não existe uma obrigatoriedade de adesão a esta estrutura.

Exemplo: Uma prática comum é colocar tudo nos Comentários, para que possas criar uma narrativa que possa talvez seguir uma linha temporal ou dividir o teu discurso em tópicos. Vê a imagem do Centro de Juízes à direita – editado por razões de privacidade – como exemplo (clicar para alargar).

Algo frequentemente discutido é como se deve escrever as avaliações, se na segunda ou terceira pessoa. Ambas funcionam perfeitamente, algumas pessoas gostam de alternar estilos entre os Pontos Fortes e as Áreas a melhorar, mas a minha preferência pessoal passa por escrever tudo na segunda pessoa. A avaliação é principalmente para o sujeito, então será melhor falar com ele ou ela directamente!

Ser justo

Ao qualificar uma avaliação (Abaixo da média / Na média / Acima da média / Excepcional) há que ser razoável e lembrar que esta qualificação é relativa: considera se a tua qualificação poderá precisar, ou não, de uma explicação.

Exemplo: Qualificas um juiz sob qualquer outra forma considerado excelente, como “Abaixo da média” porque neste evento em particular esteve abaixo da sua prestação habitual. Esta qualificação é assim relativa à média do seu desempenho, logo deve ser colocada uma nota na avaliação a salientar este ponto.

Exemplo: Um juiz L1 que acabaste de conhecer fez um excelente trabalho num determinado evento e na tua opinião, o seu desempenho está perto do que se pode esperar de um L2 com alguma experiência. A tua qualificação de “excepcional” pode parecer evidente, mas mencionar na avaliação as razões para esta qualificação não fará qualquer mal.

Conclusão

Quando tiveres a percorrer o processo de feedback, é preciso ter em mente o que é realmente importante. Dar feedback deve focar-se em áreas que sejam razoáveis, relevantes e exequíveis no seu melhoramento. Lembra-te: nós damos feedback porque nos importamos.

Traduzido por Gonçalo Rodrigues