Interview: L1 Beatriz Accioly on Harassment

Entrevista: L1 Beatriz Accioly fala sobre assédio

Há pouco tempo entrevistamos Beatriz Accioly, uma juíza L1 de São Paulo, Brasil.

 

Por favor, conte-nos um pouco sobre você e como você se sentiu quando entrou em contato com a comunidade de Magic.

Eu soube do Magic há 15 anos. Eu tinha 13 anos de idade e estava fazendo compras com minha irmã mais velha quando fomos a uma livraria. Enquanto estávamos esperando o caixa, eu vi algumas caixas numa estante e pedi para da uma olhada. Eu achei interessante e pedi a ela que me comprasse. Foi algo similar aos duel decks que temos hoje: dois decks com 40 cards cada um, com um guia de como aprender a jogar dentro.

Então eu comecei a minha coleção, comecei a fazer trocas em eventos de anime em Maceió, minha cidade natal. Mas, naquela época, em Maceió nós não tínhamos nem torneios e nem juízes. Eu não tinha idéia que isso existia.

Eu joguei por três anos, mas parei de jogar por bastante tempo. Eu voltei ao Magic há dois anos e meio. Foi quando eu conheci meu namorado, que também é juiz. Na época que estávamos saindo, ele me contou sobre torneios, jogos e lojas, e eu mergulhei nesse amor proibido novamente.

Quando eu decidi virar juíza, minha motivação foi o fato de que só havia mais uma juíza no país naquela época. Isso foi ago que me atraiu muito e eu senti uma grande vontade de fortalecer a presença feminina no Brasil. Eu queria ser uma presença feminina nos eventos e motivar outras mulheres e meninas, e mostrar a elas que elas podem jogar o jogo que elas amam sem ter medo de se sentirem isoladas.

Infelizmente nossa comunidade tem problemas, e nós ainda somos muito imaturos quando confrontamos a diversidade. Em quase todo evento existe aquela pessoa que arruína a experiência de todos, sendo intolerante e geralmente rude e preconceituosa. No entanto, quanto mais as minorias, não apenas mulheres, participarem, falarem e questionarem, mais rápido nós teremos mudanças em direção a uma comunidade mais segura e saudável.

Algumas lojas têm uma atmosfera bastante agressiva, que desencoraja muitos jogadores novos a participar. É aterrorizante, é como o primeiro dia na escola onde todas as outras pessoas já se conhecem e você é o novato.

Como conseqüência de nossas construções sociais e paradigmas, jogos em geral, não apenas Magic, mas video games e esportes ainda são vistos como “coisas de garoto”.

Ao menos na minha geração, as mulheres não foram ensinadas a encarar esse tipo de lugar e jogar, perder, competir – nós fomos ensinadas apenas a competir entre nós pela atenção dos homens… Muito tóxico.

Sempre foi “Olha, você é uma menina, não faça isso, não corra, não brinque na lama, etc, etc”. E mesmo assim, aquelas que os faziam, ficavam escondidas por anos devido ao assédio, agressões verbais e abuso sexual.

Eu sinto que isso tem mudado nos últimos três anos, mas ainda assim nós estamos sofrendo uma séria retaliação apenas por querermos jogar alguma coisa.

Um exemplo: quando um jogador gente boa pediu que eu o ajudasse a abrir sua loja, me colocando responsável por desenvolver a identidade da loja e administrar o site da loja e suas redes sociais.

Começamos interagindo um com o outro com freqüência por causa desses encontros profissionais. Esta pessoa começou a desenvolver sentimentos por mim, mas eu não, visto que o projeto era apenas um trabalho pra mim. Ele começou então a fazer postagens gigantes no seu facebook com indiretas sobre seus sentimentos por mim, o que com que eu me sentisse extremamente desconfortável.

Eu tentei conversar com ele, mas ele sempre desviava do assunto ou tentava falar sobre outra coisa. Até o dia em que eu o confrontei sobre seus sentimentos sobre mim,quando ele me mandou várias mensagens, fazendo drama, dizendo coisas como “ninguém apoiava o seu trabalho, mas eu entendia que era importante para você e por isso te defendia.” Ele também me jogou pra baixo e se fez passar por príncipe encantado.

Foi uma situação dura, que culminou no fim do nosso trabalho neste projeto.

Minha maior preocupação é que ainda há um tabu quando se fala sobre assédio, como se nós ficássemos com medo de sermos julgadas ou culpadas. Nós temos medo que pessoas venham a questionar nossas ações e pensar que nós somos culpadas por sermos ingratas. Então mesmo que falemos tão pouco sobre assédio, é importante enfrentar o problema, por que apenas assim as pessoas vão se dar conta de que isso é um problema real e que de fato acontece. Nós também esperamos que donos de loja se conscientizem sobre as questões do assédio e parem de fingir que “nunca acontece na minha loja”.

Nós precisamos falar sobre isso, pelo bem de todos. Muitas mulheres têm o constante pensamento de que “se eu mudar a minha forma de agir [e me controlar], o assédio não vai acontecer novamente.” Por que a sociedade nos ensinou que se nós nos limitarmos, nos comportarmos direito e ficarmos quietas, as coisas serão melhores para nós, e então não seremos assediadas ou questionadas. Mas este não é o caso.

Houve alguma vez em que você se sentiu bem vinda em uma loja?

Sim! Quando eu comecei a jogar, eu costumava ir com meu namorado e outros rapazes a uma loja próxima, e eu me sentia intimidada por que aquele era um novo ambiente para mim. Houve um dia quando eu peguei um bye no ultimo round e o juiz que me retirou do torneio viu que eu estava sozinha e veio conversar comigo. Ele me ensinou um pouco sobre estratégia e a gente conversou sobre Magic. Foi um gesto bem legal.

O que lhe motivaria a jogar mais Magic?

Se os juízes e donos de loja fossem mais receptivos a feedback. Lojas deveriam ser mais limpas, com boa iluminação, com jogadores calmos e civilizados e sem gritos excessivos, imaturidade ou vulgaridades.

Se houvesse algo que você pudesse falar a todos os jogadores de Magic, o que seria?

Eu encaro os problemas que eu encontro da mesma forma que eu o faço com todo o resto em minha vida: como mulher, eu não tenho como escapar apenas ao não fazer as coisas ou deixando de ir aos lugares. Eu continuo a perseverar e a encarar os problemas de forma que outras mulheres possam se sentir empoderadas a fazer o mesmo. Eu quero fazer com que esses lugares sejam mais receptivos a outras mulheres que não estão tão confortáveis em confrontar os preconceitos e as injustiças quanto eu.

Quais sugestões você daria para ajudar a Wizards of the Coast e a comunidade de Magic a se tornarem mais inclusivas?

Eu fico muito feliz de saber que a Wizards tem uma política ativa no que diz respeito a igualdade, diversidade e respeito. Juízes e jogadores, como comunidade, ainda têm muito a aprender sobre esses conceitos, mas é reconfortante saber que há pessoas que acreditam na diversidade e trabalham por um ambiente melhor. O apoio da Wizards é incrivelmente valioso.

Aos jogadores: ouçam as pessoas a sua volta, observem mais, não finjam que não há problemas só por que eles não ocorrem em sua loja.

Aos juízes e donos de lojas: tomem uma atitude, sejam responsáveis. Vocês são aqueles que tomam conta dos torneios e eventos de todos os tipos, e mesmo que vocês discordem de algo, respeitem à todos. Como dono de um negócio e como pessoa, deve-se valorizar a experiência e sentimentos de todos como algo valido e importante.

Busque ajuda, fale, converse sobre seus problemas, peça opiniões, não se feche, nós não estamos sozinhos e apenas discutindo nós vamos melhorar as coisas. Eu sei que é assustador, mas se ficarmos quietos, nada irá acontecer. Jamais.

O que é uma atmosfera receptiva no contexto de Magic?

Um lugar onde todos se sentem confortáveis e seguros, aproveitando o jogo na presença de amigos e onde possamos ser nós mesmos sem ter medo de julgamento ou preconceito.

Gostaria de dizer mais alguma coisa?

Se eu e outras mulheres, gays, lésbicas, trans desistirmos, pararmos de lutar por igualdade e justiça, então nós perdemos. Nós vamos, inevitavelmente, ser assediados, perseguidos, intimidados ou maltratados, mas nós temos que buscar ajuda e conversar sobre nossos problemas com os outros, e expor a injustiça no Magic e na vida. Se não for assim, nunca seremos ouvidos e nada mudará.

 

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