Retrocedendo: Filosofia e Metodologia

O MIPG diz que, quando uma Violação de Regra de Jogo acontece, há duas possibilidades:

  • “[…] Realize o reparo especificado a não ser que um retrocesso seja simples de ser feito”
  • “Caso contrário, um retrocesso pode ser considerado ou o estado de jogo pode ser deixado como está.”

Isto levanta algumas questões:

  • Quando um retrocesso é “simples” o suficiente?
  • Quando um juiz deve considerar um retrocesso ao invés de deixar o jogo como está?

Quando sou consultado para um retrocesso como um juiz nível 3+ ou quando atendo uma apelação como Juiz Mor, eu também tenho estas duas perguntas na minha cabeça. Aqui estão meus pensamentos sobre a questão, seguidos pelo processo que eu desenvolvi para abordar retrocessos com consistência para que eles sejam, bem, o mais consistente possível, senão nas próprias regras, pelo menos em sua abordagem.

Um retrocesso fácil

Aqui está uma situação que aconteceu comigo no Pro Tour Destino Reescrito (e a qual eu já expandi neste artigo):

Ademar vira uma Sussurradora das Selvas e conjura Murro Selvagem para fazer com que seu Semeador da Morte Rakshasa lute com uma 3/3, então faz uma pausa e olha para Natália.

Natália tem uma expressão de surpresa, já que o Rakshasa 2/2 não vai ganhar esta luta. Ademar percebe e adiciona “em resposta, eu dou +2/+2 para o Rakshasa”.

Natália chama o juiz. A regra parecia bem fácil, a pausa claramente indicando que a prioridade foi passada. Até o momento que notamos que Ademar não tinha feroz porque seu 4/4 morreu no turno anterior (Trapaça foi investigada e excluída), o que implica que:

  • Ademar estava confiante que seu Rakshasa iria ganhar a luta (Feroz dava +2/+2 para o Rakshasa).
  • A Sussurradora das Selvas não pode ser virada para duas manas (Ela precisa de feroz para tal).

Portanto, temos dois erros: por um lado, um erro estratégico (não perceber que Rakshasa era 2/2), e, por outro, temos um erro técnico (pagar errado o custo de uma mágica). Como juízes, devemos essencialmente solucionar o segundo erro antes de abordar o primeiro erro.

Felizmente, nesse ponto, estamos no momento mais cedo possível que o erro poderia ter sido pego: A mágica ainda nem resolveu! Um retrocesso muito simples! E o retrocesso ainda é coberto pelo parágrafo 717 das Regras Abrangentes (já que a mágica ainda estava na pilha).

Eu ponderei um pouco a respeito para avaliar as opções e conclui que esta seria a melhor maneira de dar a regra. Era imensamente prejudicial para Natália, e salvaria Ademar, mas era o que as regras pareciam dizer.

Ou será que não?

 

Eu digo “pareciam dizer” pois, após pensar bastante, eu acredito que a regra que dei definitivamente não foi a melhor possível: Eu reverti todas as ações até a conjuração de Murro Selvagem, o que permitiu que Ademar pudesse agora corretamente crescer o Rakshasa antes de conjurar Murro Selvagem novamente. Eu apliquei a regra corretamente de alguma forma, porém, não ideal. Retrocedendo, eu permiti que Ademar pudesse usar para seu benefício uma informação que ele não tinha no momento em que ele tomou sua decisão.

Consequentemente, eu não restaurei o estado de jogo para algo nem perto de sua versão orgânica.

Atualmente, se abordasse a mesma situação, eu a deixaria como está: Murro Selvagem foi pago incorretamente por uma mana e resolve. Parece estranho, mas é a melhor alternativa.

Agora, isso não significa que nunca devemos retroceder. Mesmo que em certas ocasiões possa ser perigoso, retroceder pode ser certamente benéfico.

Ao considerar um retrocesso, você precisa ser cauteloso sobre os impactos que seu retrocesso pode causar!

Um retrocesso difícil

Sou chamado em uma mesa para resolver o seguinte problema: a jogadora Adriana virou para cima a face de um Sábio da Reivindicação e fez a habilidade desencadeada dele desencadear incorretamente, destruindo a Centaura-caçadora de Crufix de Nathan.

Nathan desvira e conjura Arrogância Trágica.

O erro é relevante porque Nathan escolheu manter uma Cariátide Silvestre, mas teria escolhido manter a Centaura-caçadora de Crufix que foi erroneamente destruída.

Muitas coisas aconteceram desde a infração nas regras. Em ordem:

  • Centaura-caçadora de Crufix foi destruída
  • Adriana atacou com várias criaturas, incluindo um Elemental da Mata Sussurrante que manifestou outro card no final do turno.
  • Nathan conjurou Arrogância Trágica, e então passou o turno.
  • Adriana está a ponto de comprar seu card. Ele o retira do grimório mas o card não toca sua mão, quando ela percebe que algo errado aconteceu.

Estamos quase dois turnos depois, o que instintivamente faz desse um retrocesso complicado, por isso parece mais seguro deixar as coisas como estão.

Ou talvez não?

Contudo, este retrocesso é possível, porque absolutamente todas as peças que parecem “informação adicional” são conhecidas ou totalmente aleatórias.

  • Adriana ainda não comprou outro card, então a integridade de sua mão está 100% garantida.
  • Como uma nota adicional, um card comprado nem sempre é um fator impeditivo para um retrocesso.
  • Nathan conjurou um feitiço poderosíssimo (Arrogância Trágica), mas a existência dele era conhecida de ambos os jogadores por ter sido revelado enquanto a Centaura estava no campo de batalha.
  • Portanto, todas as decisões de jogo anteriores foram feitas levando-o em consideração. Ele pode até ser corretamente reposto no topo do grimório já que não foi um card aleatório comprado.
  • Adriana manifestou um card, mas foi um card aleatório do topo do grimório dela, então pode ser facilmente revertido.

No fim, apesar de parecer problemático, não havia nada impedindo o retrocesso desse jogo até o ponto de a jogadora virar seu Sábio da Reivindicação para cima (Isto não deve ser retrocedido pois foi uma jogada válida).

E a razão é: Nenhuma informação adicional foi adquirida

 

É muito interessante notar que depois que eu concluí o retrocesso, ambos os jogadores seguiram com a mesma sequência de jogadas, excetuando-se o fato de que Nathan escolheu manter sua Centaura-caçadora de Crufix ao invés de sua Cariátide Silvestre.

A filosofia do retrocesso

Razões para manter o estado de jogo como está

Vamos começar filosofando sobre o porquê de geralmente deixarmos o estado do jogo como ele está, apesar da possibilidade de haver infrações sérias das regras acontecendo no jogo, e o jogo não está nem perto do que deveria ser, caso a infração não tivesse ocorrido.

A principal razão para escolher não retroceder é que os jogadores podem ter feito escolhas potencialmente decisivas para o jogo baseado no estado do jogo pós-infração. Este estado de jogo “errado” se tornou de fato genuíno para os jogadores e eles continuaram jogando baseados nisto.

Ao corrigir o estado do jogo, o juíz pode acabar corrompendo o jogo ainda mais, mesmo que ele obviamente não tenha essa intenção.

Uma nota sobre as correções parciais

Um retrocesso não pode ser parcial, deve ser executado por completo até que o estado do jogo seja restaurado ao ponto onde ocorreu o erro.

Consequências estratégicas podem ser difíceis de avaliar, e é por isso que nós somos extremamente cautelosos sobre correções parciais.

Razões para retroceder

O que essencialmente estamos tentando fazer quando retrocedemos é restaurar o estado do jogo para um estado orgânico.

Ao retroceder, nós tentamos fazer com que os jogadores sigam com o jogo que eles deveriam ter jogado, caso tivessem notado o erro imediatamente. É isto que você deve se perguntar quando considerar um retrocesso: Isso vai deixar o jogo vai mais próximo ou mais distante do que ele seria sem o erro?

Um método: O retrocesso passo-a-passo

Após algum tempo realizando retrocessos, eu desenvolvi este processo que aplico sempre que possível:

    • Eu desfaço todas as ações uma por uma, em ordem.

 

  • Se uma carta foi procurada ou comprada, eu a deixo claramente identificada, para o caso de o retrocesso falhar.

 

    • Assim que uma ação não parecer razoável para mim, eu paro e decido que não me parece aceitável e, portanto, vou deixar o estado do jogo como está.
    • Se eu conseguir cancelar cada uma das ações e tudo parecer razoável, então esta será minha regra.

 

  • Óbvio que pode haver uma apelação, e é por isso que é importante identificar claramente os cards que deixaram a mão ou o campo de batalha.

 

Esta metodologia tem algumas vantagens:

  • Ela não me dá uma estimativa do que seria, ela me mostra no que implica cancelar uma série de ações.
  • Ela mostra aos jogadores que estou tentando desfazer o erro e restaurar o estado do jogo de forma a negar qualquer vantagem que um jogador possa ter conseguido.
  • Quando isso se prova impossível, ela me garante suporte em um decisão de não efetuar o retrocesso e elaborar aos jogadores com fatos ao invés de “achismo”
  • Dizer “Eu sinto que” é muito menos convincente do que afirmar “Eu não acredito que este (fato) pode permitir que vocês sigam jogando o mesmo jogo seguramente.”

Definindo o razoável

Tem algo que ninguém nunca pode reverter: O que alguém disse ou viu.

Consequentemente, os elementos que você deve prestar mais atenção em são as informações  extras obtidas, por exemplo uma mágica instantânea revelada perde bastante do seu poder intrínseco pois o oponente pode escolher jogar ao redor dela com certeza.

Também, a falta de informação pode ser tão poderosa quanto uma informação: Um jogador passando múltiplas prioridades com fontes de mana desviradas pode ter revelado que sua mão não é tão poderosa quanto poderia ser.

Um bom retrocesso é quase uma correção parcial

Se você sente que uma correção parcial no estado de jogo seria fácil, então existe provavelmente base para um retrocesso.

O principal motivo para ir através de todo esse procedimento é permitir que, de fato não muitas coisas (e nada se possível) mudaram, uma vez que os jogadores continuam o jogo do momento que você retrocedeu até.

Kevin Desprez.