Erro de comunicação? Você precisa tomar uma decisão!

Existem algumas situações que podem danificar severamente um jogo apesar de nenhum jogador ter cometido realmente uma infração. Um dos motivos mais comuns é discordância sobre o estado atual do jogo, seguindo por uma ineficiente, para não dizer inexistente, comunicação, enquanto nenhuma Violação na Política de Comunicação foi cometida.

 

A reação instintiva: Retroceder

Nessas situações, é tentador retroceder o jogo até o último momento no qual ambos os jogadores concordem sobre o que aconteceu. Entretanto, eu serei sincero: Isso quase nunca funciona.

Vamos pegar um exemplo de um GP que eu apitei no passado:

  • AP (de Active Player, Jogador Ativo) ataca com duas criaturas 3/3. NAP (de Nonactive Player, Jogador Não-Ativo) tem 20 de vida e, silenciosamente, move suas próprias criaturas pela mesa. Em certo ponto, ele coloca suas duas 2/2 na frente de uma das 3/3, e encara AP por um momento.
  • AP pergunta: “Esses são seus bloqueios?” NAP não pronuncia uma palavra mas, de acordo com AP, fez um pequeno gesto com a cabeça.
  • Interpretando esse movimento de cabeça como uma resposta positiva, AP conjura Crescimento Desenfreado na 3/3 bloqueada por duas criaturas.

Nesse ponto que NAP diz: “Calma, calma, calma… Eu ainda estou pensando em como bloquear”.

Primeiro, apesar de ser tentador acreditar que NAP é desonesto, vamos excluir Trapaça desse nosso cenário pois não é esse o objetivo da questão (mas se essa foi sua reação instintiva, boa! Isso é de fato muito suspeito!)

Então, vamos ver como seria um retrocesso ao último ponto em concordância: NAP está declarando bloqueadores e ainda não terminou. Portanto retroceder implicaria meramente em cancelar uma única ação e colocar o Crescimento Desenfreado de volta na mão de AP.

No entanto, isso significa permitir NAP a bloquear com uma informação adicional disponível. Agora, perceba as opções de NAP:

  • Ele pode fazer o mesmo bloqueio e perder todas as suas criaturas.
  • Ele pode fazer um ou dois bloqueios com uma criatura cada, o que geralmente é muito ruim.
  • Ou, com essa informação e devido ao fato dele não morrer com esse ataque, NAP pode simplesmente declarar nenhum bloqueio e jogar o resto do jogo em volta daquele Crescimento Desenfreado que ele já viu.

O que esse retrocesso conseguiu?

  • Conseguimos restaurar a um estado de jogo orgânico ou corrompemos o jogo ainda mais?
  • Qual jogador fez mais esforços para se comunicar claramente?
  • Qual jogador mais se beneficia com o retrocesso?

Simplificando, AP é o jogador que fez o maior esforço para se comunicar. Depois de retroceder, AP tem uma carta extra de sua mão revelada, dando a NAP uma informação estratégica crucial.

Ao longo das linhas que eu defini em Retrocedendo: Filosofia e Metodologia, esse não é um retrocesso satisfatório. De jeito nenhum.

 

Você precisa tomar uma decisão!

O exemplo mencionado acima é bem comum. Na maioria das vezes, as consequências de um retrocesso para “remediar” o erro na comunicação serão assim. Seria justo ressaltar que esse único exemplo é parcial e pode haver situações onde retroceder será uma boa solução. Vamos tocar nisso mais tarde.

Porém, nessas situações, os jogadores não irão chamar o juiz porque as consequências do erro na comunicação são tão limitadas que eles nem se importam: eles apenas resolvem entre eles. Quando você é chamado, significa que as consequências são bem importantes, ou importantes o suficiente para que eles não concordem em como resolver.

Vamos pegar um exemplo que aconteceu no último GP Praga:

  • AP conjura Comando de Dromoka para colocar um marcador de +1/+1 em Anafenza, a Principal e fazê-la lutar com uma criatura com a face virada para baixo.
  • NAP vira para cima a criatura que foi escolhida como alvo, um Protetor do Covil, trazendo de volta um Esguicho de Magma para sua mão.
  • Então, enquanto AP pega um dado (representando o marcador) em sua mão e coloca encima de Anafenza (os jogadores discordam se o dado chegou ou não na Anafenza), NAP coloca seu Protetor de Covil no seu cemitério.
  • NAP conjura Esguicho de Magma para matar Anafenza, já que ela sofreu 3 de dano durante a luta.

Nesse ponto, AP conjura Preço Final para destruir o Protetor de Covil, alegando que Comando de Dromoka não resolveu ainda já que ele nunca a colocou na cemitério.

Essa situação levanta várias questões:

  • O fato de AP pegar o dado implica que o Comando de Dromoka resolveu?
  • E o fato de NAP mandar seu Protetor do Covil para o cemitério?
  • O fato de Comando de Dromoka ainda estar no meio da mesa é uma prova que ele ainda está na pilha?

 

Simulando um retrocesso

O principal na questão é: Comando de Dromoka foi resolvido? Sendo assim, o último momento em que os jogadores concordam em alguma coisa é logo após Esguicho de Magma ser colocado de volta na mão de NAP. Até esse ponto, Comando de Dromoka ainda está na pilha.

Por consequência, isso significa que um retrocesso nessa situação seria na realidade 100% equivalente a julgar que Comando de Dromoka ainda não resolveu, que é a visão do estado do jogo de AP.

Então, decidindo por retroceder, você está tomando uma decisão em favor de AP, visto que isso lhe permite fazer a jogada que ele queria! Novamente, retroceder beneficiaria um jogador às custas do outro.

O mais importante aqui não é que um retrocesso favorece um jogador, mas sim que retroceder é frequentemente percebido por juízes como um modo justo de lidar com um erro na comunicação, embora não seja.

Retroceder sem avaliar quem foi o responsável pelo erro na comunicação é o mesmo que tomar uma decisão aleatória.

 

Tomando uma decisão

Voltando para as questões acima, nenhuma das respostas é uma prova por si só:

  • Comando de Dromoka tecnicamente continua na pilha até terminar de resolver, portanto isso não prova que ela ainda possa ser respondida.
  • Ainda, note que jogadores raramente colocam suas mágicas em seus lugares apropriados, em todos os momentos, então são detalhes técnicos que você não deveria confiar.
  • AP pegar um dado e mover até Anafenza é um pequeno indício.
  • NAP enviar sua criatura para o cemitério é outro indício.

Como juiz, você tem várias opções:

  • Decidir que Comando de Dromoka resolveu e Esguicho de Magma está na pilha;
  • Decidir que Comando de Dromoka está na pilha e Esguicho de Magma foi conjurado em resposta;
  • Decidir que Comando de Dromoka está na pilha e colocar Esguicho de Magma de volta na mão de AP.

Escolher a opção 1 é julgar em favor de NAP, enquanto as opções 2 e 3 significam julgar em favor de AP ( com a opção 2 sendo mais severo com NAP).

Em Praga, eu decidi em favor de NAP pelas seguintes razões:

    • AP fez uma ação que implica que o Comando de Dromoka já resolveu, me fazendo excluir que NAP agiu muito rápido (precipitadamente).
    • AP apenas deu atenção à falta de clareza no estado de jogo depois que Esguicho de Magma foi conjurado. Ele poderia ter conjurado Preço Final tanto em resposta a habilidade desencadeada que trouxe Esguicho de Magma de volta à mão ou antes de pegar no dado… Em suma, ele teve várias oportunidades para agir mais cedo. O fato dele agir tão depois me fez duvidar que ele tinha total consciência do que ele poderia fazer para salvar Anafenza.
    • NAP me explicou quão fraca seria a estratégia se ele não esperasse o Comando de Dromoka resolver, pois diferentemente de um Crescimento Desenfreado que ele precisa conjurar antecipadamente para crescer sua criatura, ele não precisa conjurar Esguicho de Magma até a resolução de Comando de Dromoka.

Obviamente, existe uma chance de NAP ter cometido um erro estratégico aqui, mas não parece ser o caso.

 

Retrocessos: Manuseie com cuidado!

Como eu disse, retroceder não é impossível. De forma simples, você precisa avaliar qual a melhor forma em que você acredita poder corrigir a situação e tomar uma decisão de acordo com esta. Vamos pegar um caso do GP Madrid 2015:

AP atacou com Aríete com Rodas e Naturalistas do Conclave. NAP faz um bloqueio duplo no 4/4 com suas 2 criaturas. Então AP conjura Força das Massas no 4/3 que não foi bloqueado.

Essa foi a conversa confirmada pelos dois jogadores:

  • NAP, surpreso, pergunta: “No 4/3?”
  • AP responde: “Sim”
  • NAP: “Você tem certeza?”
  • AP: “Sim”

Eles resolvendo o dano de combate.

  • NAP diz: “Então… eu tomo 6, sua criatura morre”
  • No qual AP responde: “Não, você toma 4, ambas as suas criaturas morrem”

NAP defende que ele indicou verbalmente que bloqueou o 4/4, AP diz que não ouviu nada. Nenhum dos dois tem o Inglês como língua nativa (embora eles a usem bem).

Assim estava a situação quando eu cheguei na mesa:

Board NAP
Board AP

Como a confusão está em qual criatura foi bloqueada, no caso de retrocesso, você precisa voltar à ação baseada-no-turno da etapa de declaração de bloqueadores, o que significa permitir a AP conjurar Força das Massas na criatura bloqueada. Mais uma vez, retroceder totalmente implica fazer um julgamento em favor de um jogador.

Ambas as criaturas bloqueadoras parecem estar totalmente na frente de Aríete com Rodas. Quando questionei NAP sobre isso, ele disse que AP reposicionou suas criaturas após a declaração de bloqueadores e moveu para o lado seu 4/4, que estava em cima do 4/3, para conjurar Força das Massas.

Situation when blockers were declared

AP confirmou.

Estão aqui as conclusões que eu tive quando avaliei a situação:

  • Estrategicamente falando, geralmente faz mais sentido dar um bloqueio duplo num 4/4 do que num 4/3, especialmente porque o Aríete tem uma desvantagem que permitiria outro bloqueio no próximo turno.
  • Isso é só uma possibilidade, já que NAP poderia estar jogando em cima de um bônus que daria +X/+1 para o 4/3, garantindo assim que ele morreria. Não parece ser o caso aqui.
  • Ambos os jogadores concordam com a posição das criaturas quando os bloqueios foram declarados. Havia uma potencial ambiguidade no posicionamento único delas.
  • Exceto se foi feito ou não uma declaração clara sobre o fato da 4/4 ter sido a criatura bloqueada, ambos jogadores concordam com o que o outro disse.

Eu acredito que NAP de fato bloqueou o 4/4, mas isso não ficou claro na mente de AP pois ele moveu o 4/4 para longe dos dois bloqueadores quando conjurou sua mágica. Apoiado pela conversa que aconteceu durante a resolução do dano de combate, eu também acredito que AP conjurou essa mágica dando alvo na criatura que foi bloqueada. A exceção é que os jogadores discordam qual foi a criatura bloqueada.

Agora, já que ambos poderiam querer fazer outras escolhas, eu decidi que o 4/4 foi bloqueado pelas duas criaturas de NAP e AP conjurou Forças das Massas mas o alvo ainda não foi anunciado. AP escolheu o 4/4 como alvo e o jogo prosseguiu.

Sim, isso é um retrocesso. Entretanto, esse retrocesso é consequência de uma análise profunda da situação ao invés de uma decisão padrão.

Curiosamente, o resultado desse retrocesso parece bastante com uma correção parcial, menos pela parte que ambos os jogadores, que poderiam ter feito ações baseadas na nova situação, tiveram uma chance de fazê-lo. Nesse sentido, novamente, isso segue as linhas que eu defini em Retrocedendo: Filosofia e Metodologia.

 

Tenha em mente!

  • Retroceder por erro na comunicação nunca é justo para os dois. Isso sempre vai favorecer um dos jogadores!
  • Um dos jogadores provavelmente é mais responsável pelo erro na comunicação do que o outro. Você provavelmente não deveria decidir em seu favor.
  • Se você acredita que retroceder é a melhor opção, faça isso como você faria retrocedendo uma Violação da Regra do Jogo!
Kevin Desprez