Investigações – Determinando Intenção

Antonio Zanutto
Level 2 Judge, GP Day 2 Team Leader

Antonio Zanutto
Level 2 Judge, GP Day 2 Team Leader

Olá, pessoal. Hoje eu vou falar um pouco sobre investigações. Embora toda chamada de juiz seja baseada em uma investigação (afinal, você precisa perguntar para os jogadores o que aconteceu durante o jogo para poder dar uma resposta satisfatória), neste artigo vou tratar daquelas investigações que estão relacionadas a trapaça.

Vamos começar pela definição do IPG (para quem ainda não leu, sugiro uma lida no IPG anotado no tópico de trapaça):

https://blogs.magicjudges.org/rules/ipg4-8-pt/

Uma pessoa quebra uma regra definida pelos documentos de torneio, mente para um oficial do torneio, ou nota uma ofensa cometida em sua partida (ou na de um colega de time) e não alerta sobre ela.

Adicionalmente, a ofensa precisa cumprir com os seguintes critérios para ser considerada trapaça:

  • O jogador precisa estar tentando ganhar vantagem através de sua ação.
  • O jogador precisa estar ciente de que está fazendo algo ilegal.

Este artigo vai tratar mais especificamente desse último tópico, da ciência do jogador sobre estar cometendo uma ação ilegal. Eu procuro responder às seguintes perguntas: “como podemos saber se alguém realmente sabia que estava fazendo algo errado?” e “como podemos desclassificar alguém sem provas?”

Vou contar sobre cinco experiências que eu tive como juiz.

 

Situação 1

Estou assistindo a uma mesa no dia 2 do GP Santiago 2016. O formato é draft de Magic Origins. AP tem Subterranean Scout, Montanha e dois Eyeblight Massacre na mão, controla uma criatura 2/3 qualquer e está a 14 de vida, AP tem 4 Montanhas e 3 Pântanos na mesa. NAP tem 10 de poder na mesa, divididos entre 4 criaturas e uma criatura que vira a criatura alvo quando ataca.

No turno anterior, AP tinha em sua mão 2 Eyeblight Massacre, 1 Montanha e 1 Subterranean Scout, e decidiu não fazer o terreno do turno (possivelmente para blefar mais uma mágica). AP compra a carta do turno (uma Montanha), pensa por muito tempo sobre fazer ou não o terreno do turno. Coloca uma montanha em jogo, volta ela pra mão. Pensa mais um pouco. E então, em uma sequência rápida, ele joga a Montanha, vira 3 Montanhas e um Pântano para fazer o primeiro Eyeblight Massacre, o oponente confirma que resolve. Então ele vira 2 e 2 para fazer o segundo e limpar a mesa. Nesse momento eu interrompo a partida e chamo o Juiz Mor.

Pense um pouco nas linhas de jogo que AP tinha.

Fazer Subterranean Scout e usar como chump blocker? Fazer apenas um Eyeblight Massacre e tirar apenas uma criatura da mesa do oponente? Passar o turno, ir a 4 de vida e torcer para comprar um Pântano no próximo turno? De todas essas, esta última opção parece a menos pior. Mas limpar a mesa do oponente naquele mesmo turno preservaria 10 pontos de vida e jogaria em torno de um possível pump spell ou dano direto que o oponente pudesse ter.

Por que ele pensou tanto para fazer a jogada que fez? Imagine que a carta da mão dele fosse um Pântano, ou seja, que a jogada ótima fosse legal. Quais outras linhas de jogo ele poderia seguir? Quais possibilidades ele teria que imaginar?

Minha conclusão é que ele sabia que não podia fazer a jogada, e justamente por isso demorou tanto. Possivelmente estava cogitando se valia a pena ou não tentar o “vai que cola”.

 

Situação 2

GP Montreal, em 2016. O formato é selado de Shadows of Innistrad. Sou chamado durante uma partida e AP me diz que nota lobisomens no deck de NAP. Eles estão embaralhando para o G2 e AP me diz que notou isso logo na apresentação do deck. A princípio, isso pode parecer um Erro de Torneio – Cards Marcados por parte de NAP, mas eu fico intrigado com o fato de AP não ter apontado antes o problema (enquanto embaralhavam para o G1, por exemplo). Veja, pode ser considerado trapaça se um jogador nota um erro durante o jogo e não chama atenção imediatamente para o problema. Assim, eu separo os jogadores e pergunto a eles se o problema não havia sido notado antes, e ambos me dizem que não. Eu então pergunto por que AP não havia notado isso no G1, e ele responde que o oponente tinha ido ao banheiro antes do começo da partida e que estavam tentando ganhar tempo, então NAP não embaralhou muito com as cartas sobre a mesa, e AP deu apenas um corte seco quando o deck foi apresentado.

Pareceu um motivo razoável e a história conferia. O caso não foi levado adiante.

Mas note o potencial de abuso desse comportamento: imagine que um jogador trapaceiro perceba que os shields do seu oponente não são perfeitamente opacos, permitindo a identificação de cards dupla-face. Sabendo que a punição para essa infração é de uma perda de jogo, ele pode começar o G1, jogar até ganhar ou até o momento em que estivesse prestes a perder o jogo. Se estiver prestes a perder, ele pode chamar um juiz nesse momento e vencer um jogo perdido. Se ganhar o G1, ele pode chamar o juiz no começo do G2 e assegurar a vitória na partida sem maior esforço.

 

Situação 3

Em um PPTQ de blocos de Kaladesh, Amonketh e Dominaria, NAP me chama à mesa porque AP havia baixado um Blooming Marsh desvirado como o quinto terreno e tentado conjurar um Verdurous Gearhulk.

AP tinha 5 de vida, uma Ballista com 3 marcadores, uma Jadelight Ranger com 2 marcadores e uma Winding Constrictor sem marcadores. NAP controlava um Karn, Scion of Urza com 3 marcadores, uma Lyra, 3 fichas de cavaleiro criadas com uma History of Benalia, uma History of Benalia com 2 marcadores e uma ficha de constructo do Karn, NAP está a saudáveis 30 de vida. Na mão (antes de tentar a jogada), AP tinha Blooming Marsh, Verdurous Gearhulk e Jadelight Ranger.

Note que AP não chegaria a perder o jogo no próximo turno, mas seria forçado a entregar quase seu board inteiro para ficar vivo. AP poderia passar o turno, bloquear um cavaleiro com a Ballista, outro cavaleiro com a Jadelight Ranger, a ficha de constructo com a Winding Constrictor. Antes do dano, colocar marcadores na Ballista e matar a Lyra. Ele ficaria a 1 de vida, e apenas com a Winding Constrictor no Board. Contra 2 cavaleiros, 1 constructo e um Karn do outro lado. Agora, caso a jogada que feita fosse bem sucedida, AP teria uma chance realista de virar o jogo. Com o Hulk verde na mesa colocando marcadores nas criaturas de AP, ele teria blocks favoráveis e ainda conseguiria manter a Ballista viva mesmo matando a Lyra.

Restava agora saber se AP tinha ciência. Separei os dois e perguntei o que havia acontecido. NAP me disse que, enquanto eu entregava as promos para o torneio, AP teria se aproveitado de uma distração de NAP como oportunidade para baixar o terreno desvirado, baixando o Hulk verde logo em seguida. Eu então peço para AP me contar o que aconteceu e me explicar sua estratégia. Ele me diz, então, que iria conceder. Segundo ele, o jogo já estava perdido porque ele estava a 5 de vida e iria morrer para a Lyra. AP me diz que, na verdade, estava concedendo e mostrando as cartas conforme concedia. Perguntei pra ele se ele concedia sempre daquela maneira, e ele respondeu que não. Perguntei para ambos os jogadores se AP havia resolvido a habilidade de colocar marcadores do Hulk verde. AP disse que não, e NAP disse que AP estava mexendo nos dados. Eu acredito que a situação, na cabeça de AP, se passou da seguinte maneira: “o ‘vai que cola’ não deu, agora preciso inventar uma outra desculpa”. Decidi desclassificar AP por trapaça.

 

Situação 4

Durante o Nacional de 2017, eu sou chamado por um espectador que me diz que, dois turnos atrás, AP tinha conjurado um feitiço como instantâneo. Com pouca esperança de consertar o estado de jogo, eu vou conversar com os jogadores. Eu peço para eles me contarem como foram os últimos turnos e NAP me conta que baixou um Imperial Aerossaur, dando +1/+1 e voar para um Goring Ceratops, atacou com o bicho e tomou um Legion’s Judgment (destrói a criatura com poder 4 ou maior). Eu perguntei o que a carta fazia e nenhum jogador apontou que ela era um feitiço. Eu pedi para AP ler a carta e AP não disse nada, foi então que NAP percebeu que havia um problema. NAP disse então para AP, com ingenuidade, “Ah, verdade, essa carta é feitiço. Eu tinha tentado matar sua criatura no passe e você apontou que era feitiço. É a mesma carta”. Nisso, perguntei a AP sobre a experiência que ele tinha com selado de Ixalan, e ele me disse que jogou algumas vezes no MOL. Eu estava buscando por mais informações, algo que confirmasse a hipótese de que ele tinha feito isso de propósito, ou que a refutasse completamente, mas, àquela altura, seria muito difícil me convencer de que AP lembrava que a carta do oponente era feitiço, mas não que a sua própria também o era.

 

Situação 5

GP Vancouver 2018, eu sou chamado a uma mesa e NAP me diz que AP havia conjurado um Death Denied tentando voltar 4 criaturas para sua mão. Tudo certo, não fosse pelo fato de que NAP controlava um Gaddock Teeg. Dei uma olhada no board e vi que AP continuaria em má situação mesmo se Death Denied resolvesse, mas que isso daria a ele um suspiro desesperado. Pedi pra conversar com AP e fiz algumas perguntas. Ele me disse que essa era sua segunda vez jogando Ultimate Masters, que jogava muito Standard e que não conhecia Gaddock Teeg. Perguntei se Gaddock Teeg tinha aparecido antes, durante o torneio, e ele disse que não. AP estava 4-2 no torneio, sem byes. Os fatos de ele ser um jogador de Standard, ter jogado pouco Ultimate Masters e não estar super bem no torneio tornaram crível, para mim, a história de que ele realmente não sabia o que Gaddock Teeg fazia. Apliquei uma advertência por violação de regra de jogo, pedi para continuarem, comentei a situação com o juiz mor e ele me disse que parecia uma conclusão lógica.

 

Conclusão

Nos cinco casos descritos, eu buscava uma resposta para a pergunta “você sabia que não poderia ter feito a jogada que fez?” e, em cada caso, busquei fazer mais perguntas, pensar em linhas de jogo e tentar imaginar como os jogadores estavam pensando. Note que, apesar de haver um potencial de vantagem em todas as situações que eu apresentei, nem todas elas possuíam inconsistências em suas narrativas. Procure pelas inconsistências.

 

Agradecimentos

Quero agradecer ao Marin por ter feito a revisão do texto e ao Leonardo da Luz por ter montado as imagens. Também quero mandar um parabéns para o Rafael Raimundo por ter começado a jogar Magic depois de ter recebido feedback meu para jogar o joguinho que ele apita. E eu quero parabenizar todos os juízes que jogam; Eder Carvalho, Flavio Viana, Marcela Almeida, Ruda dos Reis, Nicolau Maldonado, Lucas Horta, Bruna Chiochetta e muitos outros. Quer ser bom em investigações? Comece a jogar Magic.

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