A Importância da Consistência

André Tepedino

André Tepedino

Uma das coisas que prezamos quando falamos da aplicação das regras por parte dos juízes dentro de um torneio de Magic, é a consistência. Quantas vezes já ouvimos um jogador dizer que “o juiz fulano me disse que era assim” ou “quando fiz isso no torneio de juiz beltrano, não teve problema”, mas no momento que perguntamos quem é esse juiz, a esperança é a mínima que o jogador se recorde do nome.

A arbitragem de Magic é regida por três pilares: as steelyRegras Abrangentes (CR), as Regras de Torneio (MTR) e o Guia de Procedimentos de Infrações (IPG) / Arbitrando no REL Regular (JAR). Estes documentos oferecem não só conhecimento das regras de jogo, mas instruções de como agir em certas situações não ideais para um torneio de Magic. Apesar de termos espaço para interpretações, as diretrizes normalmente são claras, uma vez que os documentos são feitos para que juízes do mundo todo de diferentes culturas e experiências se apóiem nela. Mas então, por que existem divergências na aplicação dessas regras?

RACIONAL VS EMOCIONAL

“Aldo está jogando contra Nadine num PPTQ. Durante sua primeira fase principal, Aldo conjura Amoque Relampejante pelo custo de Investida. Aldo vai para o combate e ataca com o Amoque. Após Nadine declarar sem bloqueadores, Aldo ativa três vezes a habilidade do Amoque. Ambos os jogadores anotam a mudança de vida e Aldo passa o turno sem devolver o Amoque para a mão. Nadine desvira, compra, desce um terreno e passa rapidamente. Aldo desvira, compra e declara combate, atacando novamente com o Amoque. Nadine novamente declara sem bloqueadores, o que faz Aldo ativar a primeira habilidade do Amoque quatro vezes. Uma vez que as habilidades resolvem, Nadine chama o juiz, dizendo que Aldo esqueceu a habilidade desencadeada de Investida no turno passado. Qual a infração, penalidade e solução, se alguma?”

Olhando as regras de Habilidade Desencadeada Esquecida (Missed Trigger) do IPG, é bastante fácil ver que a habilidade de Investida cria um efeito desencadeado retardado que muda um objeto de zona. Sendo assim, como o disparo devolve uma criatura de volta para sua mão, ele é considerado um disparo prejudicial. Aldo recebe uma advertência (Warning) e o disparo é resolvido imediatamente. No entanto, a opinião de muitos juízes nesse caso é que Nadine cometeu Conduta Antiesportiva – Trapaça, uma vez que viu um erro de jogo na partida e decidiu esperar até o momento mais oportuno para chamar o juiz. No entanto, a regra de Missed Trigger diz que um jogador não é obrigado a lembrar seu oponente de um desencadeador esquecido. Desta forma, não há ilegalidade e, conseqüentemente, não há Trapaça. Mesmo assim, vários juízes contestam isso, afirmando que é atitude de má fé, que é falta de fair play por parte de Nadine.

Estes conceitos de fair play e má fé não vêm das regras, mas do compasso moral de cada juiz, que julga a situação baseada em seus sentimentos e experiências, muitas vezes se colocando no lugar do “maior prejudicado” na situação e entendendo como aquele jogador se sentiria com isso. Esta atitude, no entanto, pode ser prejudicial à estrutura do torneio, uma vez que pode levar a decisões diferentes do que seria a correta, gerando uma divergência entre decisões de juízes. Sempre que atendemos um jogador, devemos lembrar que, enquanto para nós aquela é uma mesa em muitas que atenderemos durante o evento, é possível que aquela seja a única vez que o jogador receberá uma decisão de um juiz. Também, na maioria das vezes, aquele jogador levará aquela decisão como correta e moldará suas ações futuras dentro de um torneio nisso. Se, no caso apresentado, o juiz decidir por desqualificar Nadine, é grande a chance que Aldo entenderá que esse caso é
passível de desqualificação e provavelmente se sentirá injustiçado em uma ocasião futura, quando um juiz Regradecidir pela resposta correta.

Devemos lembrar sempre que Magic é um jogo em que o objetivo é ganhar. Enquanto prezamos pelo ambiente divertido e amigável, não devemos tentar punir um jogador por querer ganhar, utilizando-se das regras. As regras de torneio dizem que “Um jogador deve ter vantagem pelo melhor entendimento das opções providas pelas regras de jogo, maior consciência do estado de jogo e planejamento tático superior”, logo seguido de “Jogadores não tem nenhuma obrigação de ajudar seus oponentes a jogarem”.

PROTEGER O JOGADOR VS PROTEGER O TORNEIO

“Samuel e Anderson se inscrevem para jogar um PPTQ construído. Antes do torneio, Anderson empresta para Samuel quatro cópias do card Metapaisagem para seu deck. Na primeira rodada, Samuel está de bye e Anderson está jogando contra Nair, com Samuel assistindo. Durante a partida, Samuel nota um erro na partida, pede para que Anderson e Nair parem e chama um juiz. Ele conversa com o juiz que nota um erro, corrige, e atribui a Anderson uma Advertência, algo que o deixa claramente incomodado. No final de sua partida, Anderson pede sua retirada do torneio e se dirige a Samuel, pedindo seus cards Metapaisagem de volta. Samuel diz que os devolverá após o torneio, mas Anderson insiste que quer os cards de volta. Relutantemente, Samuel começa a devolver os cards. Você é um juiz deste torneio e presencia toda a situação. O que você faz?”

A situação aparenta que Samuel teve a boa vontade de ajudar a organização do torneio e acabou sendo punido por isso. Antes de mais nada, deixemos claro que a boa vontade de Samuel e o fato de Anderson estar pedindo seus cards de volta, enquanto relacionados, não tem relação com a organização deste torneio. Samuel confiou em Anderson. Anderson, por sua vez, é o proprietário dos cards e tem o direito de pedi-los de volta. Se alguém se prejudicou foi Samuel, por confiar em Anderson.

Alguns juízes defenderam a criação de proxies (cards substitutos) para que Samuel continuasse no torneio. No entanto a regra para criação de proxies é bastante clara: apenas cards danificados durante o torneio podem ser substituídos por proxies, o que não foi o caso. Alguns argumentaram que Anderson estaria furtando os cards de Samuel, uma vez que o dono dos cards é a pessoa que os tem durante o torneio. Esta é uma interpretação fora das regras. A definição de “dono” de um card se aplica apenas a uma partida de Magic. Fora da partida, o dono das cards é de fato seu proprietário.

Devemos também analisar se, ao tentarmos ser justos com Samuel, estamos sendo justos com o resto do torneio. Uma das responsabilidades do jogador dentro de um torneio é ter os materiais necessários para o formato de torneio. No caso deste torneio construído, os jogadores devem ter um deck legal para o torneio. Samuel não está cumprindo isso – não porque os cards foram danificados durante o torneio, mas por um motivo pessoal completamente fora do controle de seus oficiais. Ao fazer um proxy, você está favorecendo Samuel sobre todos os outros jogadores do torneio que cumpriram com suas obrigações de jogador.

Vejamos outra situação:

“Aline está jogando contra Nilson durante a última rodada de um Grand Prix. O vencedor daquela partida entra para o Top 8 do GP. Aline joga primeiro, começa seu jogo com um terreno e passa. Nilson compra o card do turno, joga um terreno e passa. Aline compra o card do turno, vê o card e imediatamente chama um juiz. Quando atendida, diz que o card que comprou naquele turno é um card de seu sideboard, que sua partida anterior foi para os turnos e, por causa da correria, esqueceu de tirá-la do deck. Uma investigação rápida confirma que aquele card é de fato do sideboard de Aline. Qual a infração, penalidade e solução, se alguma?”

Ações de jogo foram tomadas. Logo, não se trata mais de um problema envolvendo a mão inicial do jogador. Aline está com um deck ilegal para o primeiro jogo. Isso caracteriza um problema de Deck / Lista de Deck: Aline receberá uma perda de jogo e, como ações de jogo foram feitas, os jogadores poderão usar o sideboard no próximo jogo.

O impulso de muitos é diminuir a penalidade aqui; rigorosoAfinal, a jogadora chamou o juiz em seu próprio erro no momento que o percebeu. Devemos sempre lembrar aqui que penalidades existem para evitar abusos. Neste caso, imagine que exista o caminho para uma redução se o jogador chamar o juiz em seu próprio erro. Assim, um jogador poderia fazer uma rápida análise do ambiente e usar cards do sideboard no primeiro jogo, chamando um juiz em seu “erro” quando fosse pareado com uma partida em que seu sideboard seria inútil. Em casos como o de Aline, é recomendado agradecer ao jogador pela sua honestidade, mas ser firme e consistente com as regras.

OBVIEDADE VS OBJETIVIDADE

“Alexa está enfrentando Natalia no top 8 de um torneio competitivo de uma grande empresa organizadora de torneios de Magic. Natalia está jogando com um deck combo que se utiliza do card “Borborygmos Enraged” para vencer. Durante a segunda partida, Alexa conjura Agulha Medular, nomeando “Borborygmos“. Natalia confirma e continua jogando. Alguns turnos depois, Natalia começa seu combo, colocando Borborigmo Enfurecido na mesa e fazendo as ações para derrotar sua oponente. Alexa chama um juiz, dizendo que Natalia tentou ativar o card que estava nomeado para o efeito da Agulha. Natalia, por sua vez, diz que Alexa nomeou “Borborygmos”. A nomeação é legal, uma vez que existe um card com o nome de “Borborygmos”, enquanto seu card se chama “Borborygmos Enraged”. Alexa alega que era óbvio o que ela estava nomeando. Qual a infração, penalidade e solução, se alguma?”

Este foi um dos mais recentes acontecimentos da comunidade de Magic. O juiz em questão decidiu que a nomeação de “Borborygmos” era válida, uma vez que o card existe com exatamente esse nome, enquanto o nome do card usado pelo oponente se chamava “Borborygmos Enraged”.

Isso gerou comoção de muitos jogadores profissionais, que discutiram com um dos maiores responsáveis pela criação e manutenção das regras atuais, o nível 5 Toby Elliott. Vários argumentos foram feitos contra a decisão do juiz. Entre atacarem o caráter de Natalia e acusarem o juiz de incompetência, vieram outros exemplos como um jogador que nomeia “Jace” apenas, ou que alegaram que o outro card nunca viu jogo algum, então não deveria ser considerado.

O pronunciamento de Toby Elliot foi que a decisão do juiz estava correta e condizente com as regras.

Magic é um jogo relativamente fácil de aprender, mas em que é difícil ser verdadeiramente bom. Existem várias regras e interações que devem ser exploradas e estudadas para que um jogador melhore. Uma delas é a objetividade de certas regras. A regra que rege Agulha Medular diz que não é necessário que o jogador nomeie o card pelo seu nome exato, mas que uma descrição do card é o suficiente. No caso de nomear “Jace”, a base de dados dos cards de Magic não vai encontrar nenhum único card cujo nome seja apenas “Jace”. No entanto, se procurarmos na mesma base de dados, encontraremos um “Borborygmos”. O nome exato de um card foi nomeado e é a ele que o efeito da Agulha Medular irá afetar. Um jogador não tem obrigação de ajudar seu oponente a jogar. Sendo assim, Natalia não tinha motivo algum para avisar Alexa que ela tinha escolhido o card errado, ou assumir que ela se referia a um card diferente do que o nomeado. Mais do que isso, Natalia queria ganhar aquele jogo. A tendência de várias pessoas é de que “ganhar a qualquer custo”, mesmo que seja dentro das regras, não é aceitável. Que “explorar cantos das regras” é errado e o jogo deve ser jogado em sua forma limpa e clara. Enquanto essa é uma posição compreensível, não é bom para o jogo, para os jogadores ou a comunidade que o juiz se deixe levar por suas emoções e crenças pessoais, mas de muita importância que o juiz consiga manter sua decisão condizente às regras e à filosofia por trás dela.

JUIZES OU ROBÔS

conselheiroSe não devemos utilizar dos sentimentos, que diferença faz ter um juiz? Seriam só pessoas que decoraram as regras e as aplicam cegamente?

Muito longe disso. Magic, por ser um jogo social, precisa ser guiado pelos mesmos termos. Coisas que envolvem vitória e derrota envolvem emoções. O juiz não é proibido de empatizar com os jogadores, mas é muito recomendado que o juiz seja o “termômetro” nesses casos. Controlar a situação e os jogadores é uma das muitas responsabilidades de um juiz.

Situações sairão das regras. Nessas horas, o juiz deve usar seu melhor julgamento para decidir o curso de ação e resolver aquilo da melhor forma possível. Antes de desviar das regras, sempre pense no potencial de abuso e no porque de tais infrações carregarem tais penalidades – elas estão ali por um motivo. Se o fizer, assuma sua decisão e as possíveis consequências. Lembremos que a comunidade de juízes está aqui para apoiar e ensinar cada um de seus membros. Um erro é uma oportunidade de aprendizado. Portanto, não tenha medo de errar, mas sempre tenha vontade de melhorar.

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