A Filosofia do REL Regular

Vinicius Quaiato, Nível 2

Vinicius Quaiato, Nível 2

A grande parte dos torneios de Magic que acontecem no mundo são torneios de REL Regular. Ainda que estes torneios não estejam nos streamings dos grandes portais de Magic, ainda que não distribuam vagas para o Pro Tour, ou que não tenham grandes premiações em dinheiro, estes são os torneios que a grande maioria das pessoas joga em grande parte do seu tempo jogando Magic.

Sendo estes os torneios mais comuns, mais frequentes e com o maior número de pessoas participando, enquanto juízes, precisamos ter uma compreensão mais sólida sobre o que é este tipo de torneio. Entender não apenas como tratar um erro, mas compreender as razões pelas quais as coisas funcionam da maneira que os documentos dizem. No decorrer deste artigo detalharei as nuances da filosofia do REL Regular, principalmente com relação a nossa postura enquanto juízes e juízas.

O que é REL?

Primeiramente vamos entender o que é REL. Esta sigla, amplamente utilizada por juízes e juízas no Brasil, vem do inglês Rules Enforcement Level, que em tradução é Nível de Aplicação de Regras. O REL nada mais é que uma definição para como um torneio será executado. De acordo com um determinado REL, um conjunto de práticas e procedimentos é utilizado em um torneio (ou não utilizado).

Atualmente existem três tipos de REL: Regular, Competitivo e Profissional.

O REL Regular

Torneios de REL Regular possuem uma característica bem particular: são torneios onde se busca construir um ambiente agradável para que novos jogadores e jogadoras possam se aproximar do Magic; e permitem uma competição amistosa entre as pessoas.

O foco de um torneio de REL Regular não é em detalhes técnicos. Jogadoras e jogadores são encorajados a ajudarem-se mutuamente quando necessário, e como juízes e juízas estamos ali para auxiliar quando as partes precisarem de ajuda, seja para lidar com um problema, compreender o problema ou decidirem entre opiniões divergentes.

O foco na educação

Ainda que nossa palavra seja a final durante disputas, conflitos e até mesmo resolvendo um erro que tenha ocorrido, o foco de nossa atuação deve ser sempre na educação dos jogadores e jogadoras – neste tipo de torneios é mais importante educar e permitir que joguem do que nos preocuparmos com todos os detalhes técnicos decorrente de erros. Dando suporte para a idéia de criar um ambiente convidativo e acolhedor para pessoas novas no jogo, nossa atuação é parte importante para que isso aconteça.

Torneios de REL Regular, diferentemente dos torneios Competitivos e Profissionais, possuem um guia bastante simplificado para lidar com erros, violações da regras e problemas de torneios, e este guia simplificado é, em si, um reflexo desta filosofia e idéia de que a educação vem em primeiro lugar. Leia o JAR (Arbitrando no REL Regular) aqui.

Severidade na educação

Muitos de nós acabamos por interpretar este foco na educação de maneiras diferentes, e muitas vezes um pouco distantes do que realmente se espera para um torneio Regular.

Severidade em excesso

Não podemos ser severos demais, sob a alegação de que isso “fará o jogador aprender e nunca mais errar”, não é isso que esperamos encontrar nestes torneios, e não é isso que queremos que as pessoas encontrem. A severidade excessiva muitas vezes vai frustrar o jogador ou a jogadora, seja novato/a ou experiente, e isso pode afastar esta pessoa do jogo ou daquela loja/comunidade. Nós definitivamente não desejamos isso, ao contrário, queremos mais pessoas participando ativamente do jogo em torneios e eventos.

Um dos erros mais comuns de juízes e juízas que não percebem que estão sendo severos demais, por exemplo, é quando estão lidando com uma habilidade desencadeada que foi esquecida. Muitas vezes optamos por dizer algo como “É você esqueceu, seja mais atento”. Analisando bem, esta é uma resposta bastante radical e muito severa, ninguém aprende nada com isso, e nem mesmo o JAR dá suporte para tal. De forma bem simples, o que podemos fazer nestas situações é analisar há quanto tempo esta habilidade foi esquecida, e entender se resolvê-la agora teria muito impacto no jogo, onde “Muito impacto no jogo” não quer dizer que alguém seria beneficiado ou prejudicado, mas sim compreender se o jogo seria colocado em um estado pior caso seja optado por resolver a habilidade. Feita esta análise é que vamos comunicar aos jogadores o que está acontecendo:

Olá. Bem o que aconteceu aqui é que uma habilidade desencadeada foi esquecida. Ainda que o momento exato de apontá-la tenha passado, não existe um impacto significativo para o estado de jogo em resolvê-la agora, então é isso o que faremos. Por favor, tenham mais atenção com suas habilidades e qualquer dúvida é só chamar.

Ou em no caso em que compreendemos que resolver a habilidade seria problemático para o jogo

Olá. Bem o que aconteceu aqui é que uma habilidade desencadeada foi esquecida. O momento exato de apontá-la passou e resolve-la agora trará um impacto bastante negativo para o estado de jogo, então deixaremos as coisas como estão. Por favor, tenham mais atenção com suas habilidades e qualquer dúvida é só chamar.

Repare que aqui não estamos tentando forçar lições para nenhum dos jogadores – estamos preocupados com o jogo que está sendo desenvolvido e com a experiência que eles estão tendo, e a educação será uma ferramenta para tanto melhorar o jogo quanto a experiência das pessoas.

Leniência em excesso

Por ouro lado, não podemos ser lenientes em excesso. Um torneio Regular não é um torneio onde é permitido fazer qualquer coisa ou jogar de qualquer forma, ainda que o ambiente seja construído levando em conta as boas vindas, não é um jogo de “mesa de cozinha”. Se formos muito permissivos neste tipo de comportamento vamos acabar por frustrar outras pessoas naquele torneio, muitas vezes passando uma imagem de que somos injustos e/ou favorecemos alguém.

Podemos observar este tipo de comportamento quando, ao lidar com Problemas Sérios, como apontados no JAR, optamos por apenas conversar com as pessoas envolvidas. Precisamos compreender que quando algo sério acontece e não lidamos com isso, a imagem que a comunidade ao redor daquele fato tem é de que aquilo é algo aceitável ou mesmo de que não há nenhum problema. Uma das situações mais comuns, mas não a única, onde este tipo de comportamento ocorre, é quando pessoas decidem “rolar um dado” para determinar o resultado de uma partida. É comum que ao nos depararmos com isso, não consideremos a atitude tão grave a ponto de merecer uma Desqualificação. A grande chave para lidar com este tipo de problema é não fazermos julgamentos de valores. Não devemos pensar, nestes casos, se as pessoas merecem ou não. Não devemos pensar se elas conhecem o jogo há muito tempo ou não. Nem se ela vem de outra loja, onde isso era permitido. Uma vez que isso tenha acontecido, precisamos agir. Uma forma de não sermos linientes nestes casos é sermos proativos e evitarmos que eles aconteçam, com anúncios e lembretes ao longo dos torneios. Então novamente estaremos trabalhando com foco na educação.

Conclusão

“Foco na educação”, como idéia de atuação em torneios de REL Regular, nada mais é do que a maneira como agimos: a forma como comunicamos aos jogadores o que está acontecendo, o que acontecerá, e até a forma como pensamos em uma solução para um problema ou erro que tenha ocorrido.

Jogadores vão errar, isso é esperado, e é de certa forma algo natural em um jogo com a complexidade do Magic. A grande diferença está na forma como nós, juízas e juízes, encaramos estes erros. Buscar penalizar uma pessoa, para que assim ela “aprenda de uma vez por todas” não é o objetivo de nossa atuação enquanto juízes de Magic. Precisamos sempre instruir através das regras, compreendendo que erros são algo comum, e possibilitando que o jogo seja divertido e prazeroso. Não precisamos fazer julgamentos de valores para decidir por uma correção ou penalidade. Precisamos avaliar o jogo que está sendo jogado e então tomar nossa decisão. No final o que educará um jogador, o que garantirá o foco na educação, não é a vantagem que ele perdeu quando esqueceu uma habilidade que foi esquecida, mas sim a forma como lidamos com a situação.

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