Enquanto muito gratificante, o trabalho de juíza ou juiz nem sempre é fácil: junto com horas de estudos e preparação, passamos por vários momentos de decisão durante um torneio. Por mais preparados que estejamos, é difícil ter preparo para todas as situações; consequentemente, cometemos erros. Erros que, muitas vezes, custam o desempenho de um jogador num torneio, o desempenho de uma colega juíza ou juiz, ou o bom andamento de um evento ou torneio.
Situações assim “travam” a pessoa que cometeu o erro. Mais de uma vez, presenciei colegas se deixarem abalar por um erro, ao ponto de não conseguirem trabalhar no mesmo ritmo pelo resto do dia. Sendo bem franco, o motivo que me inspirou a escrever este artigo foi um péssimo desempenho que tive.
Em um fim de semana de PPTQ e WMCQ, num estado diferente do meu e meu primeiro evento para a loja. Nessa ocasião, fui escalado para Juiz Principal do PPTQ e um dos líderes de time no WMCQ. Não entrando em detalhes pontuais, eu lembro de ser abrasivo com cada um dos integrantes do time, de discutir com colegas dentro da área de jogo, levantar minha voz para um colega por uma discordância num atendimento e chegar ao ponto de dizer a um membro de meu time que o método de deck checks que usava “era uma m*”. Hoje, tenho total consciência de que deixei o fim de semana pior para meu time de alguma forma, para a equipe de juízes e organização, sem contar que posso ter estragado o dia de algum ou alguns jogadores sem mesmo ter tomado consciência disso.
Com isso tudo em mente, reuni alguns pontos que considero importantes para ajudar a entender, lidar e superar estes problemas. Enquanto podem parecer coisas simples e até aparentemente óbvias, todo conhecimento é válido para que possamos simplesmente voltar a funcionar propriamente. É importante saber tirar um momento para se recompor, mas saber como se recompor é de valia ainda maior para que este processo seja eficiente.
Qualquer um pode falhar
Independente de ter se certificado há um mês ou dez anos, nós podemos (e provavelmente vamos), em algum momento, falhar. Estudo e experiência ajudam muito para que isso não aconteça, mas como seres humanos estamos fadados a falhar de quando em quando.
Se procurarmos, não é muito difícil encontrarmos reclamações de jogadores por erros de juízes. Scott Marshall, um dos Nível 3 mais antigos e experientes do programa (e Nível 5 antes da reformulação dos níveis) , fez um post no blog oficial, pedindo desculpas por uma decisão errada a um jogador profissional ( http://blogs.magicjudges.org/unclescott/2017/01/02/shahar-i-am-so-so-sorry/ ).
Ao aceitarmos essa condição (de que podemos falhar), evitamos que a falha gere uma taxa muito pesada sobre nós, permitindo uma melhor “volta por cima”.
Muitas vezes, a falha é inevitável
É extremamente improvável que infortúnios na vida pessoal de uma juíza ou juiz não afetem a performance num evento. Problemas pessoais, doenças físicas ou psicológicas, tragédias familiares… são inúmeras as coisas que podem nos afetar
Quando saímos da nossa zona de conforto, a chance de começarmos errando é muito maior. A coisa mais importante é lembrarmos que uma falha não deixa de ser um passo na direção do sucesso.
Mas o que é exatamente uma zona de conforto? Bom… todos nos acostumamos com a forma que torneios em nossa área acontecem. Depois de um tempo, ao dominarmos aquela forma de orquestrar um torneio, nos acostumamos que tudo no evento aconteça correta e tranquilamente. Segurança sem experiência quanto às possibilidades de um evento gera uma zona de conforto: somos muito bons naquilo, mas não sabemos como lidar com coisas que nunca vimos antes.
A falha sempre traz um impacto negativo imediato
Enquanto eu não gosto muito de falar em absolutos, este é um ponto em que eu nunca vi uma exceção. Ao errarmos um ruling, darmos uma informação errada para uma jogadora ou jogador, sairmos de uma mesa para chamar o Juiz Mor por causa de um appeal e esquecer qual mesa estávamos atendendo. Após um deslize, nós sentimos o resultado, principalmente se afetarmos o conforto de uma jogadora, um jogador, ou alguém da nossa equipe. A falha traz consigo a inibição: uma vez inseguro, um passo fora da zona de conforto é consideravelmente mais arriscado, pelo medo de um novo passo errado.
É claro, estas são apenas algumas das coisas que acontecem durante um deslize. Ao reconhecermos esses pontos, podemos aceitá-los e, consequentemente, controlar o resultado deles.
Aceitar uma falha é um grande passo. No entanto, para que se possa aprender com aquilo, adicionar à nossa gama de experiência e evitar falhas futuras, devemos saber enfrentar e superar o impacto negativo desta falha. Em eventos de grande porte, tais como RPTQs, WMCQs (agora Nacionais) e GPs, o time de juízas e juízes trabalha entre 8 a 10 horas num dia. Visto que é extremamente improvável que um deslize aconteça exclusivamente no fim do dia, precisamos estar preparados para nos recompor e continuar oferecendo o melhor de nós para a comunidade. Sendo assim, juntei alguns processos que acredito serem benéficos para esse processo de recuperação e superação.
Assuma a falha
Antes que possamos consertar algo, é preciso reconhecer que cometemos um erro. Lembremos que, por mais que nos ajudem, nos justificar não serve de muito para a parte injuriada; Muitas vezes, inclusive, mais parecem desculpas: afinal, todos temos nossos problemas. No fim de tudo, os jogadores querem ter um bom dia de jogo, a staff quer que o torneio corra bem. Conversas e desabafos são muito úteis, mas existem momentos certos para isso.
Entendamos também que assumir a falha vai além do simples “ok, errei, bola pra frente”. Para que possamos aceitar um erro, temos que entendê-lo. O que houve de errado? Por que decidi tomar este caminho? Uma vez que tivermos entendimento, fica mais simples assumirmos nossa culpa.
A expressão em inglês “own your failures” traduz para um literal “possua seus erros”. Apesar de ficar um pouco estranho, tomar posse de nossas falhas faz com que tenhamos controle sobre elas, não o contrário. Se uma falha nos controla, provavelmente voltará para te assombrar. Mantenhamos o controle, superemos nossas falhas e as utilizemos como um degrau para sermos melhores.
Compreenda suas limitações
Primeiro de tudo, vamos começar com o que é óbvio: uma juíza ou juiz que não se prepara, se limita. Ao nos inscrevermos para o staff de um evento, estamos atestando que estaremos no melhor preparo possível para a performance desejada. Consequentemente, ao não estudarmos as regras, as filosofias, o formato envolvido no evento, estamos abrindo espaço para erros. Portanto, lembremos: a pessoa que mais vai nos ajudar a não falharmos somos nós mesmos. Estudemos, conversemos, aprendamos com antecedência, para que os conhecimentos estejam lá quando forem necessários. Não adianta estarmos de bem com a vida, nos alimentarmos bem, termos uma boa noite de sono se, no fim das contas, não estudamos nada, nem fomos atrás dos conhecimentos necessários.
Imaginemos que eu me comprometa a arbitrar um torneio em dois meses, um espaço de tempo até comum dentro do programa. Uma semana antes do evento, minha vida toma um rumo inesperado, uma série de infortúnios acontecem e estou naquele processo de reorganizar tudo. No entanto, será que passaria pela minha cabeça analisar se estou em condições de arbitrar? Mais do que isso, será que eu conseguiria fazer uma análise precisa do meu estado emocional, avaliando se conseguiria lidar com uma situação conflitante entre jogadores, ou com um membro do time?
Apesar do programa ter começado com a ideia de algo voluntário, hoje vivemos uma situação bem diferente: organizadores de torneio nos oferecem pagamento e, obviamente, querem excelência. Nosso papel dentro de um evento está muito próximo de um consultor, um especialista, que entende não só de regras do jogo de Magic, mas também de serviço ao cliente e diplomacia. Utilizando a situação anterior, imagine que eu vou para o trabalho estressado, com os nervos à flor da pele. Tenho uma discussão, um colega discorda de mim de uma forma que interpreto como ofensiva e, sem nem perceber, estou falando num tom mais alto, agressivo e inapropriado. Já é ruim o suficiente estar sendo agressivo com alguém, mas ainda pior no meio do ambiente de trabalho. Não seria surpresa que eu fosse suspenso, ou até mesmo demitido, seria?
Isso quer dizer, então, que não podemos ter problemas, que não podemos falhar? Não exatamente. Certos comportamentos são indesejados e inaceitáveis dentro de um ambiente de Magic como qualquer outro ambiente de trabalho. A diferença é que o programa é estruturado de uma forma que, se uma juíza ou juiz precisa de ajuda, consegue sem muita dificuldade, seja presencial ou virtual (já passei por casos em que uma juíza teve um problema num evento e me mandou uma mensagem no Facebook pedindo por apoio. Lembro de tudo ter ficado bem).
O programa de juízes no Brasil é especialmente eficiente nisso. Apesar de estarmos num país enorme, a comunidade é considerada pequena, o que permite aquele sentimento de “todo mundo se conhece”, o que permite que uma juíza ou juiz novo encontre os pilares de sua comunidade facilmente (muitas vezes sendo apresentado pela pessoa que fez a certificação). O que nos leva ao próximo ponto.
Peça e aceite ajuda
Mais difícil que admitir seu erro para si é admitir para outras pessoas; afinal, quem quer ser julgado incompetente?
Neste momento pode nos faltar o discernimento do velho ditado de “ninguém nasceu sabendo”, o que nos leva a concluir que todos já passamos por uma forma de falha, frustração e superação. Ao aceitarmos isso, fica mais fácil pedir ajuda. Uma vez que o Programa é estruturado para que juízas e juízes se apoiem e sejam melhores por meio de feedback, seria bastante imprudente de nossa parte não utilizarmos desse sistema para que possamos crescer. Mesmo que não estejamos passando por um aperto, é sempre bom estarmos abertos a conhecer, conversar e aprender com outros membros da nossa comunidade.
Conserte seu erro
É claro, o resultado de nossa falha provavelmente ainda continua lá e deve ser resolvido. Isso não necessariamente significa “vá lá e resolva”. Num evento maior, somos todos designados a um time específico, liderado por uma Juíza ou Juiz experiente (normalmente um Nível 3, ou um Nível 2 com vasta experiência). Sendo assim, e como já cobrimos anteriormente, utilize essas linhas de ajuda – comunique o problema ao seu líder de time o mais rápido possível. Muitos problemas são uma bola de neve: começam pequenos, mas crescem se ignorados.
Recomponha-se
Enquanto estamos oferecendo um serviço, normalmente, em eventos maiores, temos uma estrutura para que possamos nos afastar momentaneamente da parte mais agitada do evento. Seja uma pausa completa, ou um tempo numa área mais tranquila, é importante que reconheçamos nosso desgaste e nos recuperemos para continuar oferecendo à jogadoras e jogadores o nosso melhor todo tempo. Um GP é um evento de três dias; se nos exaurirmos no primeiro, como levaremos os outros dias? É importante darmos nosso melhor, mas de forma que possamos dar nosso melhor durante todo o evento.
Lembremos: enquanto nós atenderemos jogadoras e jogadores o evento inteiro, toda interação que um deles tem com uma Juíza ou Juiz pode ser a única do evento inteiro. Um atendimento pode definir a opinião das pessoas quanto ao time. Portanto, que sempre demos o nosso melhor.
Aprenda com seu erro
Como já dissemos antes, uma falha é um passo na direção do sucesso. Afinal, uma vez que uma decisão nossa não deu certo, é bastante imprudente repeti-la e esperarmos por resultados diferentes.
Uma vez que o problema está em mãos e sendo controlado, é de suma importância que entendamos novamente nosso objetivo, a lógica por trás das nossas decisões e o porquê de não ter sido uma boa escolha. Assim, ganhamos experiência, aumentamos nossa zona de conforto e nos preparamos para novos desafios. Portanto, não esqueçamos: corrija, aprenda e não repita.
Como já abordamos antes, o programa de juízes oferece uma série de recursos que nos ajudam a melhorarmos. Por isso, sempre recomendamos a juízas e juízes que levem materiais para anotações num torneio, para que possam anotar pontos a melhorar.
Erros de regra ou de operações de um torneio são coisas mais lineares: uma vez que já entendemos o erro, entendemos também a fonte, seja ela uma má interpretação própria das regras, um entendimento errado de nossas instruções, ou simplesmente a falta de conhecimento em tal área. Para tais, o programa de Juízes oferece suporte, seja por meio de documentos de regras, conversas e pedidos de ajuda à juízes mais experientes, tópicos de discussão no judgeapps ou na lista de e-mail são excelentes formas de adquirirmos conhecimento para que não tornemos a repetir esses erros.
Problemas com conduta indesejada (como, por exemplo, meu caso), são algo mais complicado de resolver, uma vez que a conduta de uma pessoa dentro de um ambiente de torneio é uma derivação de sua personalidade, seu temperamento, etc. Estes são mais difíceis até mesmo de se identificar, pois nossa impressão inicial é de que agimos da forma que achamos certos agir, e só notamos algo errado quando causamos (e descobrimos que causamos) desconforto à alguém.
O feedback é a melhor forma de sabermos o resultado de nossas ações. Por isso, sempre que trabalharmos em equipe, temos que nos lembrar de pedir feedback àqueles que trabalham diretamente conosco, para que fique claro quais foram as impressões que causamos nas pessoas. Da mesma forma, devemos sempre oferecer feedback de uma forma construtiva. Fazendo isso, garantimos que todos temos uma oportunidade melhor para aprendermos e melhorarmos
Uma coisa que deve sempre ficar bem clara: enquanto é impossível que sejamos perfeitos em todos os momentos, falhas não devem ser levadas despreocupadamente. Um ambiente de torneio, com inúmeras pessoas, é um lugar ideal para que, quando algo de errado, estrague o dia de uma pessoa. Por isso, estudos e materiais disponíveis na comunidade de Juízes são de grande valia. Uma juíza ou juiz que se mantém atualizada nos documentos e interações confusas do formato dá um passo na direção do sucesso.
“Bom, falar é fácil” é o que alguns pensarão agora. Jamais direi que assumir um erro é algo fácil – nós lidamos com dificuldades em nosso dia-a-dia em que nos ensinam que falhar é uma coisa horrível, inaceitável. No entanto, como já dito antes, cada falha nos deixa mais próximos do sucesso. Sendo assim, chegamos ao mais importante:
Nunca desista
O medo de errar é o que mais pode inibir uma juíza ou juiz de fazer algo. Sim, estamos fora de nossa zona de conforto, enfrentando coisas que nunca vimos em primeira mão. Ao ficarmos nervosos, acabamos com medo de dar um passo à frente e falharmos. Só que, no fim do dia, só erra quem faz. Dentro de uma equipe num evento, é importante que façamos – afinal, se não fossemos capazes, nem estaríamos ali.
Estar num evento de grande porte, numa equipe de Juízas e Juízes que passaram por uma seleção, significa que fomos selecionados. Portanto, se nos esquecemos por algum momento, que não esqueçamos a partir de agora: temos habilidades. Temos conhecimentos. Temos experiências. Todos já falharam uma vez e irão falhar novamente. Por fim, uma frase de um de meus filmes favoritos:
“Não importa o quanto você bate, mas sim o quanto você aguenta apanhar e continuar. O quanto pode suportar e continuar tentando. É assim que se ganha” – Rocky Balboa
Muito obrigado a todos que contribuíram com feedback e sugestões.
Um grande abraço.