Resolvendo conflitos

Bruna Chiochetta, Juíza N2

Bruna Chiochetta, Juíza N2

Para quem me conhece bem (e nem precisa conhecer muito bem!), se nota de cara que não sou uma pessoa agressiva. Também não lido bem com agressividade, algo que visivelmente me estressa. Em consequência disso, sempre fugia de conflitos quando via um. Essa é uma característica da minha personalidade que vi e ainda vejo grande urgência em melhorar para meu trabalho como juíza. Nesse breve artigo vou narrar e exemplificar como estou trabalhando nisso e como venho abordando conflitos em torneios que estou arbitrando.

Primeiramente, conflito é natural no Magic. É um jogo que envolve comunicação e pessoas, e pessoas entram em conflito. Especialmente em REL Competitivo, os jogadores se sentem mais pressionados a buscar a vitória, o que envolve derrotar a pessoa sentada a frente deles, e isso ocasionalmente exacerba uma agressividade maior por conta da pressão característica do ambiente. Do ponto de vista do oficial de torneio, lidar com conflitos é estressante e certamente não é uma tarefa fácil. Atuando como juíza ou juiz, por vezes nos vemos em situações delicadas as quais PRECISAMOS nos posicionar, seja para contribuir com uma opinião significativa sobre o andamento de um torneio para colegas juízes, seja para evitar que uma situação de conflito entre jogadores escale. Nesse artigo, vou me focar nesse último tipo de situação, que vejo como sendo relativamente corriqueira em nossas abordagens.

Algumas situações bem marcantes pra mim me fizeram refletir sobre essa questão, perceber que havia um problema e ativamente tentar trabalhar para melhorar nisso. Explico…
Certa vez em um evento, tive uma interação extremamente desagradável com uma pessoa. Após o término de sua partida, um jogador me chama para falar que seu oponente estava “descontrolado”. Ele aponta o jogador, que está visivelmente alterado, esbravejando em voz alta sobre seu último jogo, e explica brevemente que a pessoa em questão estava batendo em mesas durante os jogos e sendo verbalmente agressivo. Abordei o jogador em questão, perguntei o que havia acontecido e se poderia ajudá-lo, na expectativa de acalmá-lo e ter uma conversa sobre como o comportamento dele não era aceitável naquele ambiente (e ter uma resposta positiva!). O resultado disso foi desastroso. Além de não ter resolvido o problema, eu me desestabilizei. Eu não fui firme, não fiz meu ponto com clareza, além de ter colapsado frente ao estresse de um jogador me agredindo verbalmente. Eu recebi um excelente suporte de outros juízes da equipe e, após isso, outro juiz abordou a situação, manteve a calma frente à situação e aplicou as regras da maneira adequada.

Mas Bruna, nem todas situações são tão extremas…

Nem todas as situações são tão extremas, mas isso foi marcante pra mim e impactou severamente algumas próximas abordagens minhas para conflitos. Exemplifico…
Um jogador me chama em sua mesa e diz que seu oponente “o mandou tomar no #$”. Gentilmente pergunto o que aconteceu, e os dois seguem discutindo, um atropelando o outro sem que eu pudesse entender claramente a situação. Afobadamente decido que não vou conseguir resolver aquilo, peço para outro juiz assistir os jogadores enquanto estou fora e chamo pelo Juiz-Mor do torneio.

Você nem tentou resolver a situação!

Não. Eu fui passiva. Se antes eu tentei apaziguar a situação de forma passiva, agora supus que estava lidando com algo mais grave do que de fato estava, e me julguei incapaz de resolver aquilo. Quando o Juiz-Mor chegou, a primeiríssima coisa que ele fez foi separar os jogadores. Ele então ouviu cada um deles separadamente, e a medida que isso aconteceu, os jogadores estavam mais calmos e se desculparam pelo estresse causado. Uma situação que eu julguei como sendo caos, fogo e morte terminou em uma Advertência por Conduta Antidesportiva – Menor, dois jogadores tranquilos e seguindo sua partida.

O que aprendi

Após essa situação específica, procurei por feedback dos dois juízes Nível 3 envolvidos nessa situação, tanto para a questão de resolução de conflitos quanto para a abordagem da aplicação correta de regras e filosofia disso (eu me atrapalhei um pouco no entendimento da filosofia de Condutas Antidesportivas, mas isso é tópico para outra hora). Essas conversas foram muito proveitosas para mim. Eu refleti bastante sobre abordagens que fiz no passado, e tracei planos sobre como agiria próximas situações! Entre diversos acertos e erros, exemplifico uma situação…
Um jogador me chama em sua mesa, visivelmente irritado, e pergunta: “Juíza, você pode assistir meu jogo? Eu quero ter tempo de jogar o jogo 3”. Havia 15 minutos no relógio, e ele alegava que seu oponente estava demorando muito para jogar. Os jogadores começam a discutir sobre isso, trocando acusações. Peço para eles se acalmarem, e me explicarem um por vez o que estava acontecendo. Um dos jogadores estava visivelmente nervoso, e por isso decido conversar com ele primeiro. Os detalhes da minha interação com eles não são relevantes, mas eu segui assistindo a partida por alguns minutos e pude notar que realmente o jogador estava levando um tempo exacerbado para embaralhar, contando e recontando seu deck repetidamente, e apliquei uma Advertência por Jogo Lento. Com calma e sem entrar em pânico, conversei com os jogadores separadamente, entendi os pontos de vista e apartei o conflito, aplicando posteriormente as regras de forma correta por isso.

Como resolver um conflito?

Por mais que o espectro de conflitos seja complexo, podemos seguir algumas dicas que funcionam para a resolução da vasta maioria deles.

  • Mantenha a calma e aborde a situação com a postura adequada.
    Deixe claro que você está ali para ajudar! Esse primeiro passo na verdade vale para qualquer situação que você está entregando uma regra. Seja amigável e mostre que você está disposto a ouvir e quer ajudar os jogadores a chegarem na melhor resolução possível para aquele conflito.
  • Exerça sua autoridade.
    É comum que o juiz comece a falar, e jogadores nervosos tentem falar por cima. Deixe claro que quem tem a palavra naquele momento é você, e que cada pessoa terá seu momento de falar quando apropriado.
  • Em caso de discordância maior ou estresse visível, separe os jogadores.
    Às vezes a situação torna impossível um diálogo conjunto. Você quer ouví-los separadamente por diversas razões. Por exemplo, a fins de investigação, as versões da história deles podem interferir entre si e, claro, você quer cessar o conflito imediatamente!
  • Não discuta excessivamente com jogadores.
    Se um jogador discordar da sua decisão, não se alongue na discussão! Lembre-se que em um torneio o tempo está correndo e você não quer atrasá-lo mais ainda. Minha abordagem em situações assim é: se sou a juíza-mor, tento explicar da melhor forma possível a minha decisão, e se não for o suficiente, deixo claro para o jogador que a minha decisão é final, oferecendo que ele me procure após sua partida para entender melhor os fundamentos nas regras. Se eu não sou a juíza-mor, ofereço uma apelação.
  • Seja empático(a).
    A probabilidade de você estar lidando com dois jogadores que genuinamente acreditam que tem razão e entraram numa discordância por um problema de comunicação ou atrito de personalidades é alta. Estar errado é desgastante psicologicamente pro jogador. Lembre-se que como juiz você quer que os jogadores tenham a melhor experiência possível no torneio (customer service!), então aqui você também quer fazê-lo se sentir o mais confortável possível caso sua decisão não seja exatamente o que ele estava esperando. Vale a pena reforçar a importância de gentileza aqui.
  • Uma vez que você tomou sua decisão e a situação está resolvida, faça o jogo continuar.
    É importante que o jogo continue o mais rápido possível para não prejudicar o restante do torneio. Também é uma boa prática, se viável, continuar assistindo a partida por alguns minutos para ter certeza que as coisas estão funcionando como deveriam e que o conflito realmente cessou.

Essas são apenas algumas reflexões sobre um dos temas que considero mais complexos no dia-a-dia como juíza, espero que seja útil de alguma forma para vocês. Ao se lidar com pessoas, nada é uma matemática exata. Se você tem alguma dica ou sugestão sobre o tema, me procure e vamos construir esse diálogo juntos!

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